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30/12/2008

C. e a fábrica de solidão

Poderia ser esse o título do teu filme.
Se não tivesses fechado a porta, quem sabe eu teria entrado e alterado o teu guião...
Não me pudeste dar o tempo. E a solidão agora é minha.
Jamais voltarei a ser D. white.
Estou in black, for you. Forever.

29/12/2008

O espírito da matéria

Não é novidade, mas de ano para ano cada vez o Natal me parece menos celebração e mais frustração, menos espiritualidade e mais materialismo.

E digo isto sem querer melindrar a prata da casa, que faz o possível por recriar no Natal o espírito que lhe é próprio, conferindo-lhe a dimensão religiosa de origem. E vergo-me, grata, a todos que desenvolvem iniciativas que dignificam esta quadro, já que eu, honestamente, gosto de saboreá-las mas a sua confecção não me estimula.

Falava eu de frustração e materialismo.
Há dias, na secção infantil do C.I. fiquei com a sensação de que estava rodeada por um batalhão de formigas desesperadamente à procura de provisões para se garantirem no Inverno.
As listas dos pedidos ao “pai Natal” nas mãos e a expressão de frustração nos rostos, porque muitas coisas já estavam esgotadas.
Alguém comentou em desabafo “meu Deus, se eu não conseguir encontrá-los noutro lado [os presentes], isto para ele nem vai ser Natal!”. Tentei ver o rosto do comentário para ver se percebia qual seria a interpretação correcta a dar à coisa, mas a confusão era grande. Fiquei apenas a pensar nesta tendência crescente de reduzir o Natal a um amontoado de papéis e laçarotes.

Quando eu e os meus irmãos éramos miúdos e acreditávamos no Pai Natal, pedíamos coisas aparentemente impossíveis de se conseguirem, mas os meus pais davam voltas e mais voltas (eu até acho que eles faziam milagres...) e na maior parte das vezes encontravam o que queríamos. Digamos que a taxa de sucesso andava à volta dos 90%, o que para a época era um feito!
Como os nossos mealheiros eram magros, nós é que fazíamos os presentes que dávamos aos pais, aos irmãos, aos tios, à avó, ou juntávamo-nos e comprávamos “a meias” o que era possível... Uma coisa é certa, lembro-me que sempre démos, ainda que simbolicamente.

Dar fazia parte do espírito.

Mas agora uma coisa me parece cada vez mais evidente: o Natal é assim como o 1 de Junho, o dia Mundial das Crianças, só que com mais luzes e ainda mais presentes.
E até me poderia parecer natural que os presentes diminuíssem na proporção em que a idade aumenta e que as crianças sejam as grandes beneficiárias do Natal (até porque a celebração é mesmo essa, o nascimento de Jesus), se eu não estivesse preocupadamente a aperceber-me da falta de reciprocidade, de que cada vez menos as crianças estão a ser estimuladas a dar e a colaborar (contrariamente à vida de dádiva que foi preconizada por Jesus), mas apenas a pedir e a receber.
E isto não é bom.

19/12/2008

Em dó maior

Estava apenas a ver um filme, o "Elefante". Algo que ultrapassa a minha incompreensão, este gene da loucura que leva dois jovens munidos de armas a entrarem na escola e matarem quem encontram pela frente. Seria tão mais fácil entender essa crueldade se a justificasse pela ausência total de sensibilidade...

Só que antes, um deles toca piano. Quem aprende a tocar piano insensivelmente?

E as duas músicas que toca fazem-me chorar. As minhas lágrimas correm em silêncio para não perturbarem o aflorar das memórias que aqueles sons me trazem. Saudades de mim. Saudades dela.

E de novo eu estava ali, aos 12 anos, com o meu robe cor-de-rosa almofadado, sentada ao piano, as mãos a deslizarem pelo teclado. E a minha mãe ao meu lado, apontando-me com o bico do lápis as notas na partitura.
"Für Elise". Tocava-a melhor nessa idade do que hoje. Na verdade, hoje só a toco pelos sentidos, pela memória; as minhas mãos há muito que a esqueceram.

Saudade de mim, disse eu. Na verdade não sei se é de mim. Talvez seja apenas das possibilidades que eu tinha nessa altura, do potencial que a vida parecia oferecer. Aquilo em que investi durante anos desvaneceu-se. O piano, o violoncelo, o bailado... Fazemos opções numa idade em que não temos maturidade sequer para opinar, julgando que incessantemente a vida nos vai presentear com inúmeras e melhores possibilidades.

Saudade dela sim. Da forma como emocionava o meu coração juvenil quando tocava; como me inundava com a melancolia e o pesar do "Noturno" de Chopin. Gostava tanto de me deixar hipnotizar pelos seus dedos volteando, demorando-se sobre o teclado...
Seis horas por dia, dizia, era o que o meu avô a obrigava a praticar. E eu pensava "nunca vou ser capaz de estar seis horas por dia a fazer o que quer que seja". Mas estive sim, bem mais do que isso, durante anos, a fazer coisas para as quais já não me sinto talhada, que apenas me despertam enfado.

Saudade, da oportunidade que tive para gravá-la enquanto tocava, para ficar com essa recordação materializada. Tantas horas de trabalho, tantas horas de escuta, e nem um único segundo registei... Quantas e quantas vezes quis ter à mão uma cassete, um CD, que me trouxessem de volta esses sons, me fizessem reviver esses momentos.

Não pensei que pudessem chegar-me pelas mãos de um assassino, ainda que ficcionado.
Mas as memórias não escolhem, abrem caminhos.
Talvez um dia me cheguem, vivas, pelas mãos do divino.

17/12/2008

Assim seja

Eis uma matéria que me diz muito: cuidados paliativos. Eis alguém que diz muito sobre esta matéria: Laurinda Alves.
Não sei se de facto irá acontecer a sua eleição para o Parlamento Europeu, mas se acontecer que assim seja, que ela ponha os cuidados paliativos na ordem de todos os dias.
Os resultados que daí advenham todos agradeceremos, mais cedo ou mais tarde. Nesta ou noutra vida.

07/12/2008

Esse grande filho da puta

Soube uma má notícia. Estou chocada, revoltada. Agora é tarde para qualquer telefonema. Ou melhor, não é a qualquer pessoa que se liga a esta hora para dizer o que nos vai na alma. E só me apetece dizer palavrões para exorcizar a minha raiva e incompreensão. Dizer que a vida é fodida, que nos fode a todos, a toda a hora, de todas as maneiras e feitios, a torto e a direito, e não me venham com merdas e dizer que é preciso ser-se positivo e o caraças, porque a vida fode também quem pensa assim.

Há pessoas que não fazem cá falta nenhuma, essa é que é a verdade; que andam para aí a vampirizar o planeta e duram mais do que a conta, como se tivessem caído num caldeirão de "Duracell" à nascença. Toda essa corja de cabrões parasitários, sociopatas e psicopatas que se apoderaram do mundo e o manipulam, corrompem e destroem, que o enchem de merda onde nos querem atolar e exterminar. É clichê, mas estas pessoas deviam desaparecer primeiro.
Uma espécie de limpeza da espécie, para ser redundantemente objectiva.

Mas há outras pessoas, outras, que são verdadeiras almas de luz, anjos na terra, pequenas lufadas de bondade, de dádiva e amor, que parecem ter sido escolhidas para bodes expiatórios, para padecerem das dores do mundo em sacrifício dos demais.
Não foi o que nos ensinaram sobre Cristo, que a sua bondade veio libertar os males do mundo? Seria incompreensível que o mestre partisse sem deixar discípulos.
Às vezes somos bafejados pela graça das suas presenças nos nossos micro cosmos. São seres que têm alma crística; fazem percursos pessoalmente dolorosos em prol dos seus, vivem vidas de abnegação e renúncia em nome do amor incondicional. E entre suores, dores e lágrimas, nunca perdem o sorriso, aquele brando sorriso de bonomia e compaixão que é espelho da misteriosa presença do divino.

E depois, quando a vida parece dar tréguas e trazer-lhes finalmente a acalmia, quando a lei do eterno retorno devia manifestar-se concedendo-lhes o direito a um novo respirar, atribuindo-lhes os legítimos créditos pelas suas vidas de sacrifício, eis que que ele chega em surdina e se impõe à revelia: e
sse grande filho da puta chamado cancro.

Sinto-me uma formiga querendo parecer ter dois metros, nesta tentativa de ser emocionalmente lógica e de fazer justiça conceptual. Quem sou eu para julgar a mecânica do universo, para avaliar o que é o mistério da vida, para dizer quem deve ir ou ficar? Porra nenhuma. Eu não sou porra nenhuma. Só sei que há pessoas que são a diferença; que fazem e farão muita falta. É só o que sei.

05/12/2008

Sem fim

Andei, andei, andei. O que já andei... Mas por mais que ande, parece que o meu deserto nunca se acaba.

27/11/2008

Entre Amigos

é o nome desta exposição, que vos proponho irem ver a Sintra.



Painéis cerâmicos de design contemporâneo que nos despertam os sentidos, enriquecidos por nomes e textos que nos estimulam a imaginação.

26/11/2008

Paradoxo

Assim às vezes vive o amor, amando o que desconhece e desconhecendo o que ama.

25/11/2008

Simples

Talvez pareça simples dizer que o caminho se faz caminhando. Tal como dizer que amar só se aprende amando.

21/11/2008

Eutanásia e Cuidados Paliativos

Eutanásia: Afinal de que falamos?
Por Drª Isabel Galriça Neto
(Médica de Cuidados Paliativos, directora da Unidade de CP Hospital da Luz, assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa)

Para alguns a eutanásia é a resposta correcta para o sofrimento insuportável das pessoas que, tendo doenças incuráveis e numa fase final da sua vida, entendem não querer continuar a viver.
A eutanásia inclui sempre o acto de provocar a morte numa pessoa gravemente doente, no fim da sua vida, e a pedido desta. Os seus defensores dizem que é uma resposta a reservar apenas para situações excepcionais.

A eutanásia não é a recusa de tratamentos desproporcionados, ditos fúteis, e a eutanásia não é a suspensão desse tratamentos. Com efeito, a recusa ou suspensão de tratamentos desproporcionados é uma boa prática médica, já recomendada e aprovada recentemente em código deontológico. A eutanásia também não é a administração de medicamentos opióides e sedativos, quando a intenção é aliviar o sofrimento. Por outro lado, é inútil associar a eutanásia a vagos conceitos como "morte assistida", "morte digna", "boa morte serena", pois isso só contribui para confundir a opinião pública, com expressões que são tópicos sentimentais e susceptíveis de aludir a muitas outras actuações, de âmbito e natureza diferente da da eutanásia. A realidade do sofrimento em fim de vida preocupa e assusta, e isso é natural e compreensível. Todos queremos garantir para o final dos nossos dias a tranquilidade de um tempo sem dores, sem mal-estar e encerrar serenamente a nossa vida, em paz connosco, com o mundo e com os que nos são queridos.

Os que trabalhamos com doentes em fim de vida e seus familiares sabemos que a larga maioria nos diz: "Eu não tenho medo de morrer, tenho é medo de sofrer!" As pessoas querem habitualmente viver, viver com dignidade e só um sofrimento insuportável as fará desejar morrer, e mais, as fará desejar que as matem.

Os portugueses precisam saber que têm hoje uma resposta técnica e humanizada da medicina para essas situações de sofrimento e que se chama "cuidados paliativos". Estes cuidados de saúde, prestados por equipas de profissionais e voluntários devidamente especializados, promovem a qualidade de vida e a dignidade, respeitam a vida (não a encurtam) mas também respeitam a inevitabilidade da morte (e por isso não prolongam artificialmente a vida).

Isto é: no mundo actual e moderno, a medicina tem meios para mitigar o sofrimento humano, não o deixando tornar-se intolerável e sem manter as pessoas vivas a qualquer custo. Esta é uma resposta não para casos excepcionais, mas "a" primeira resposta nos cuidados de saúde para os que têm doenças graves e incuráveis, que pode e deve ser prestada muito antes dos últimos dias de vida. Se não houver acesso e, sobretudo, se não houver informação sobre cuidados paliativos, a escolha sobre o que queremos para o fim dos nossos dias será feita de forma imperfeita e deturpada, sem estar na posse dos mais recentes dados sobre a matéria. Não se trata de contrapor a "alternativa cuidados paliativos" à "alternativa eutanásia": qualquer que seja a nossa posição sobre a eutanásia, todos devemos ter acesso aos cuidados paliativos. Demos aos cuidados paliativos, enquanto direito humano, o lugar universal que lhes está reservado.

Um recente estudo pioneiro, de representatividade nacional, promovido pela Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (ver
http://
www.apcp.com.pt) demonstra que 2/3 dos portugueses desconhece a existência e as práticas dos cuidados paliativos. Curiosamente, nesse mesmo estudo, dos indivíduos inquiridos - que representavam a realidade nacional -, 50% dos que se assumiam a favor da eutanásia diziam que mudariam essa posição se tivessem a garantia de que a medicina não os deixaria em sofrimento intolerável. Estes factos revelam um nível de desinformação preocupante e justificam, por si só, mais e melhor informação para os portugueses sobre estas matérias.

Só pode haver debate sobre um tema se houver conhecimento alargado sobre ele. Importa, pois, colocar toda a informação disponível ao serviço do público, com rigor e verdade, evitando abordagens sensacionalistas. A importância do tema nas nossas vidas, o respeito pelos mais vulneráveis e, sobretudo, o respeito pela opinião pública e o dever de a informar justificam-no.
Oxalá possamos assistir a essa mudança.

In Público - Cartas ao Director - 09/11/2008

18/11/2008

H.M.

Lembro-me da tua indecisão em aceitar o convite para vir a Lisboa. Vinhas dar formação em cuidados paliativos. Nessa altura, ainda pouco se falava sobre o assunto.

Estiveste quase para não vir. Não sabias se conseguirias fazer um bom trabalho, porque te iria exigir uma imensa entrega. Tu estavas em estado de choque e com uma enorme dificuldade de lidar com as tuas emoções.

Na semana anterior tinham-te diagnosticado uma neoplasia na perna. Como médico sabias que o veredicto era a amputação. Quando regressasses de Lisboa terias que enfrentar essa perda.
Sentiste-te frágil, estavas com medo.
Desta vez era a tua vida.
E ainda assim sublimaste-te e vieste, generosamente, e nos privilegiaste com a tua sabedoria e a tua presença compassiva, tão dignamente.

Dificilmente alguém poderá esquecer como estiveste em dádiva em todas as horas. Como as tuas palavras eram veiculadas pelo amor à tua missão e àqueles de quem cuidavas. Tocaste-nos de forma plena, profunda, partilhando as tuas vivências, as histórias de vida de tantas pessoas em fase terminal que ajudaste a partir e a quem proporcionaste viver em dignidade os últimos momentos. Foi a tua serenidade, a cadência afectuosa da tua voz, a grandeza espiritual que nos foste revelando ao longo dos dias, que enchiam a sala de um silêncio de escuta que jamais testemunhei.

Muitas vezes ao olhar para ti senti a presença de uma vontade numinosa levando-me para outro estado de consciência, o único estado onde a força Curadora se manifesta e actua. O lugar do nosso encontro.
E à noite, em silêncio, orava por ti e deixava que o espírito me guiasse.

Em cada momento de comunhão bebi as tuas palavras e apreendi a grandiosidade do amor, desse amor incondicional que escuta sem julgamento, que se entrega por inteiro, que tudo comunga, tudo partilha, tudo aceita, tudo perdoa, tudo cura.

Reaprendi que o grande momento de reconciliação com a vida é o de um Ser face à iminência da morte. A morte do outro, a nossa morte. A derradeira oportunidade de transformação.
É em presença dela que nasce a grande oportunidade de um Ser se revelar em plenitude, de se conciliar com a sua vida, com os outros, de deixar cair todas as máscaras, de se ver despido delas e aceitar-se, de abrir o coração à verdade e ao amor, de falar o que nunca foi falado, de perdoar e perdoar-se, de desfazer os nós de enganos que se foram tecendo no cordão da vida.

Disseste que as palavras curam, que é curando o outro que nos curamos também a nós. Que a cura é um acto de amor e que o amor é um milagre. Que em todo e qualquer momento o que mais queremos, a única coisa que realmente queremos, é sermos amados.
E quando as palavras faltarem ou já não forem necessárias, nunca deixes de dizer Amo-te. Diz Amo-te com o corpo, diz Amo-te com os sentidos, diz Amo-te com a alma. Mas não páres de o dizer até ao fim.

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Liguei-te com o coração nas mãos.
- H., diz-me como estás!?
- Queres saber onde estou? Na Torre Eiffel, com os meus filhos, pela primeira vez... vim celebrar.
- E os exames...?
- Estou curado... remissão total. É um milagre.
Não consegui falar, comecei a soluçar de emoção.
- D., é o meu milagre de Lisboa... Merci.

29/10/2008

Esta então!

Há-de dar brado, e muito!, o decreto que o governo pretende aprovar acabando com todos os "chumbos" até ao 9º ano, de forma massiva.
Ou seja, não importam as faltas, a preguiça, a irresponsabilidade, de alguns, a dificuldade, o esforço, a assiduidade, o estudo, de outros.
À primeira vista até poderíamos pensar que nem sequer será preciso os meninos irem às aulas...
É verdadeiramente democrático dar as mesmas oportunidades a todos os alunos e pô-los ao mesmo nível.

Continuamos com esta cisma de achar que o que é preciso é que as taxas de insucesso baixem para sermos verdadeiramente europeus... para estarmos, se calhar, ao nível de uma Finlândia, por exemplo.

Das duas uma, ou ainda há algo por revelar que sustente de forma inovadora e responsável o risco desta legislação, ou o preço que a sociedade pagará por ela será incalculável.

E esta, hã?!

En passant pela TV, hoje: Numa cidade holandesa registou-se um aumento de 44% na taxa de natalidade, nove meses após ter havido um problema de falta de electricidade durante dois dias.

Pelo menos em algumas questões a tradição ainda é o que era...

22/10/2008

C.

C., hoje estive lá, naquele mesmo lugar. Como poderia não me relembrar de ti, da primeira vez que te vi? o corpo curvado, o roupão branco com um maço de tabaco no bolso, o pijama azul, os chinelos que te deram no check-in, o teu cabelo fino e comprido colado à testa e às têmporas pelo suor e esse teu olhar triste, de abandono, tombado sobre nós, que desde logo me cativou. Lembro o teu sorriso doce, a tua voz murmurada, o teu jeito tímido, os teus dedos amarelecidos pelos cigarros, o contentamento quando te davam alta e a tristeza quando te via regressar, porque sabia o que isso significava. Mas depois, a alegria que brilhava nos teus olhos quando chegávamos! E sempre, sempre, esse afecto genuíno, essa cumplicidade partilhada, esse entendimento transcendente e sem explicação.
Não sei quantos meses, mas o tempo passou como sempre passa o tempo nestas situações, veloz na falta de piedade e lento pela acção do sofrimento.

Não a querias largar, sinto ainda a força da tua mão direita na minha, a angústia do teu corpo depositada nela, o anseio nos teus olhos, o reflexo do medo. O coração batia-me, não queria que me visses chorar, cantava uma canção de ninar, duas, três, queria sossegar-te, a voz saía-me como um sopro, fica em paz, não tenhas medo, segue a luz.
E tu seguiste-a, que eu sei. De noite vieste ter comigo envolto nela, grande, numinosa! acordaste-me para te despedires e consolidares definitivamente esta certeza profunda que se tornou a minha âncora no eterno.
Os anjos existem.

21/10/2008

SOS Lisbon Players


Nos próximos dias 24 e 25 de Outubro, a companhia inglesa de teatro Lisbon Players vai realizar duas noites de entertenimento para angariação de fundos, de forma a assegurar a sua continuidade.

THE SHOW MUST GO ON!

As most of you now know the Lisbon Players, which has been in its present building since 1947, is going through uncertain times as the future of Estrela Hall is threatened. We are vigorously fighting plans that may mean the loss of our theatre after more than 60 years of continuous activity. This legal fight is costing us money.

There will be two FUND-RAISING PARTIES on Friday and Saturday, 24th and 25th October to which an open invitation is extended to all our friends and supporters. There will be things for sale, food and drink and, of course, some great entertainment!

Although the evening is free, to make sure of a seat for the show we ask you to make a telephone reservation at the Box Office - 21 396 1946. The doors will open at 8pm/20h and the show will start at 9.30pm/21.30h.

Come along with a full heart and full purse to help ensure the future of Lisbon’s English language theatre!
The Lisbon Players

20/10/2008

Ronrom

Sinto-me uma espécie de madrinha babada e esqueço-me do tempo quando fico a olhar estas criaturinhas amorosas e fofas a brincarem e a saltitarem pelo terraço.
Fazem-me ir às lágrimas, tanto pelo coração, como pelo riso...

13/10/2008

A Passagem de Pierre Weil

Educador e psicólogo, reitor da Unipaz - Universidade Holística Internacional, autor de numerosos livros para o despertar de uma nova consciência de paz e não-violência, ganhou o prémio UNESCO de Educação para a paz e foi indicado para prémio Nobel da Paz em 2003.
Conheci-o na Unipaz, onde frequentei vários dos seus seminários, e foi com tristeza que soube da sua passagem no passado dia 11.
Como diz Jean-Yves Leloup: Que as sementes de consciência e de paz que ele plantou em nós e nas obras que ele fundou continuem a florescer e a dar o seu fruto. De agora em diante, que a sua presença, "clara e infinita luz", nos acompanhe...

11/10/2008

Dia Mundial dos Cuidados Paliativos

... Para nos lembrar o quanto ainda nos falta caminhar até termos disponível no nosso sistema de saúde uma rede de cuidados paliativos satisfatória e acessível a todos os doentes em fase terminal, que garanta a redução da dor e o acompanhamento necessário, do ponto de vista físico e psico-existencial, de forma a proporcionar-lhes uma morte com dignidade.

30/09/2008

Sem resposta

Não me lembro onde li qualquer coisa assim "Não sei o que me causa mais dor, se a ideia de tu morreres e eu sobreviver com esse sofrimento, se a do teu sofrimento quando eu morrer e ficares sem mim".
Não sei se me doeria mais a tua dor, se a minha.

18/09/2008

Nem sempre onde há luz está o ouro

Um jovem vendedor ambulante de tomates queria subir na vida. Respondeu a um anúncio para contínuo de uma grande multinacional . Foi à entrevista. No final comunicaram-lhe que a resposta lhe seria enviada via e-mail. Ele disse que não tinha computador, nem e-mail. Foi automaticamente excluído.
Durante esse mês a raiva deu-lhe para trabalhar. Vendeu tomates que sei lá... Um cliente, empresário, gostou dessa fuçanga e propôs-lhe um negócio em sociedade. E assim foi. Passado dois anos a empresa já está no ranking das 3 melhores do mundo em enlatados do género.
Quem sabe se ele tivesse e-mail, hoje seria contínuo.
(autor desconhecido)

16/09/2008

Dia do pai

86 anos. Órfão de avós, de pai, de mãe, de mulher, de primos, de tios, de amigos, de colegas. Pergunto-me de que tipo de massa será feito para ter sobrevivido a tantas perdas, tantos embates, tanto sofrimento, e continuar de pé, firme, íntegro, autónomo, saudável, equilibrado, sensato, lúcido, tão lúcido..., e tão humanista. E concluo que essa massa é o amor. Que o nutriu, que nos nutriu.
Também para si, querido pai, o meu amor e a minha gratidão.

04/09/2008

Linha feita, avance-se para bingo

Hoje é o meu dia. E não é por vaidade, nem excesso de auto-estima, mas espero que no mínimo toda a gente me telefone, envie e-mails e sms. Sabe bem sentirmos que de alguma forma a nossa presença é justificada neste planeta.
Mas nestes dias, há sempre um pensamento que me ensombra: se será ou não o meu último ano. Não é dramatismo, nem pessimismo, é que a vida é mesmo assim. Nunca se sabe...
As pessoas mais velhas têm o hábito de dizer isso. Os meus pais diziam muitas vezes, nos aniversários, nos Natais, nas passagens de ano... E um dia acertam e a coisa acontece. Já aconteceu à minha mãe, há-de acontecer a mim, a nós todos.
Ui, acho que estou a ficar velha (acho...)
Whatever, feliz ano novo para mim!

29/08/2008

Não quero ficar

Voltei só para dizer que não quero ficar. Não quero a intolerância nem a inimizade, a falta de doçura e de humanidade. Não quero o tratamento de pessoas como objectos pessoais, úteis em algumas horas e descartáveis nas demais.
Não, não quero ficar. Não quero assistir ao engano, à ilusão, nem ouvir palavras sem doação. Não quero calar a agonia e o medo. Não quero estrangulamento, nem castração.
Não, não quero ficar. Não quero ser um bicho amestrado que se deita, levanta e sai, fiel ao treinador. Não quero submeter-me a nada que não seja expressão de amor!
Não, não quero ficar. Não quero mendigar escuta, ternura, respeito; não quero pedir nada que já seja meu por direito. Eu sou ser com alma, humana, inteligente, não quero perder-me numa espiral demente.
Não, não quero ficar. Não quero que qualquer acto ou opinião levante muros de fúria e agressão. Não quero ter que pedir licença para me envolver, viver, falar, respirar, amar...
Não, não, não. Assim não quero ficar!

30/07/2008

Virar a página

Mais um percurso que terminou, um outro começará a seu tempo. Não sei se deverei falar em descontentamento ou em alívio. Praticamente desde o início sabia que este projecto era inviável, que mais cedo ou mais tarde colapsaria. Mas no final há sempre uma parte de nós que clama por um recomeço, numa tentativa utópica de mudar o curso das coisas.
Não há nada mais improdutivo, mais infértil, mais angustiante, do que querer mudar o que já foi com o "se". Se tivesse sido de outra maneira não seria desta, obviamente.
Nos últimos quatro anos, envolvi-me em três projectos profissionais de "vão de escada", geridos por empresários de "trazer por casa", de ignorância prepotente e visão umbilical. Nenhum deles foi um projecto de sucesso, mal davam para garantir ordenados no final do mês.
Imagino que aquilo a que chamamos tecido empresarial português, seja composto maioritariamente por estas empresas de cariz doméstico e familiar, que abrem e fecham sem qualquer impacto positivo na economia nacional. O nosso país está cheio de empresários que nem sabem o que uma empresa é, porque nunca trabalharam em nenhuma a sério. Não têm os conhecimentos mínimos do mercado, recursos humanos, gestão, concorrência, ética, liderança. Abrem o seu negociozinho assente num número reduzido de clientes, contratam um ou dois empregados com formação (mas miseravelmente pagos), transferem para estes a responsabilidade de fazerem o trabalho que eles próprios não fazem e ficam à espera que o fruto caia.
Só que o fruto não cai, porque sentem-se ressabiados ao reconhecer superioridade profissional nos empregados e como são eles que mandam (mal, mas mandam), acabam por boicotar o seu próprio negócio não aceitando ideias e ferramentas que poderiam significar inovação e desenvolvimento.
Para bem do país, não deveria ser permitida a criação de empresas sem primeiro dar alguma formação aos (ir)responsáveis.

18/07/2008

A sobrevivência dos Lisbon Players

Esta fantástica companhia de teatro inglesa tem a sua existência ameaçada, estando a correr uma petição no sentido de manterem o seu teatro. Como reforço, vai ser organizada uma festa para angariação de fundos, em Outubro. Todas as colaborações com qualquer uma, ou ambas as iniciativas serão concerteza bem vindas!

OUR THEATRE UNDER THREAT
We continue our vigorous opposition to plans than would mean the loss of our theatre. We depend on you, our audience and friends, to support us. We believe that the Lisbon Players continues to be a vital and irreplaceable part of the Lisbon cultural scene. Keep in touch with latest developments and add your name to our online petition.
http://www.gopetition.com/petitions/save-the-lisbon-players.html

OCTOBER PARTY

The Lisbon Players is planning a fund-raising party with entertainment for two evenings in October combined with an open day to show those interested something of the theatre, its functioning and its history. If you are interested in contributing your musical, organizational or dramatic talents send an email lisplayers@gmail.com or call 96 447 5745.

Talvez sem juízo...

O amor existe e é lindo vê-lo por aí por todo o lado, à espera de ser encontrado. Ele manifesta-se de várias formas, esconde-se, espreita, dá-se a conhecer, avança, recua e às vezes exaspera, desespera, confunde! Conseguiremos reconhecê-lo?
Quando queremos muito encontrá-lo, sim. Mas depois quando ele se instala e nos absorve por inteiro, vem o medo da entrega que ele exige e os nossos mecanismos de defesa disparam logo: “Ai, se calhar é paixão ou dependência de afectos, e não amor...”, também “pode ser só uma necessidade do ego e não um sentimento puro de um coração crístico...”, ou ainda “e se em vez de um encontro de almas gémeas for o de almas carentes e necessitadas à procura de um elixir terapêutico?”.
Mas o amor pode ser/ter tudo isto, ou não pode?
Pois ... a dúvida é necessariamente fruto da actividade racional e da insegurança, mas a partir do momento em que ela se instala o amor está “feito”... porque é questionado, amputado, cortado às tirinhas!
Gostamos de acreditar naquele padrão celestial que diz que o amor que é amor nunca se questiona: ele É, simplesmente, e é benigno, pacífico, transformador.

Muito bem. Mas tal como nós, gente dividida entre o celestial e o terreno, o amor também tem lá o seu lado humano com laivos de imperfeição e de inquietude. E na verdade, nada do que é transformador é muito pacífico...
Fomos sempre levados a considerar que o amor, per si, é sério, responsável, adulto, maduro e sabe sempre qual é o melhor caminho.
Mas... e se ele não tiver juízo?!

15/07/2008

O lugar da vírgula

Se tivesses que pôr uma única vírgula nesta frase, onde seria?

"Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de rastos à sua procura."

08/07/2008

A história das coisas

Reservem 20 minutos do vosso tempo para ver este vídeo, que vale bem a pena. Fala-nos do sistema que mantém a sociedade de consumo activa e do conhecimento que temos que ter sobre a sua dinâmica para que possamos mudar mentalidades e construir um outro sistema mais equilibrado, saudável e justo.

http://video.google.com/videoplay?docid=-3412294239230716755&hl=en

04/07/2008

A dança da vida

Valsa, samba, salsa e tango,
Cada dança tem seu passo;
Fraco, allegro, forte, largo,
Tudo gira ao seu compasso.
Pratos, palmas, pés, djambés,
Sons volteiam pelo espaço,
Soam ritmos livres, soltos,
Suam corpos sem cansaço.


Polka, rumba, cha-cha-cha,
Cada dança tem seu tempo,
Um dois três, avança, pára,
Há quem gire a contratempo.
Gaita, risos, guizos, chistes,
Rodopio ou ritmo lento,
Trás, recua, frente, segue,
Tombam corpos sem lamento.


Gentes, vozes, gestos, gritos,
Sonhos, vontades, desejos,
Rotinas, loucuras, mitos,
Abraços, mãos dadas, beijos.
Tantas voltas, tantos passos,
Tanto esforço em cada avanço,
Atropelos, retrocessos,
Vitórias, perdas, balanço...


É a dança da vida, a vida na dança,
A dança vivida cheia de pujança!
É a vida na dança, a dança da vida,
Cheia de pujança a dança vivida!

26/06/2008

A caixa de Joel

Sei que houve andorinhas que contrariamente à sua natureza, começaram a voar sem formação. Fazia muito calor. Tudo estava em mudança e os bichos desnortearam, coitados. Parece que os seus sensores deixaram de estar em sintonia com as estações. Os seus vôos tornaram-se rasteiros e circulares. Os ninhos, tantas vezes construídos nos alpendres, desapareceram. Alguns foram vistos próximos de lixeiras. O ar era denso demais e as andorinhas já não conseguiam voar alto, nem longe, para ir buscar raminhos e ervas.Também já quase não os havia, essa é que era a verdade.

Tinha havido um senhor que disse que infelizmente isto ía acontecer. Também falou de outras espécies que íam acabar por desaparecer. Até de nós, pessoas. Que um dia não teríamos sombra para nos abrigarmos, nem água para nos tirar a sede, que os rios íam secar, as planícies desertificar, o gelo derreter... E mais uma série de coisas pouco animadoras...

Uns levaram isso a sério, outros, menos. Os que tiveram medo que isso pudesse ser verdade, disseram "não acreditamos em bruxas, mas que as há, há!", e foram agindo para evitar toda aquela desgraça. Os outros, que eram mesmo muitos, não se preocupavam com o assunto e às vezes até faziam coisas graves sem pensar. Se calhar achavam que já cá não haviam de estar, ou que quem cá estivesse que se preocupasse, que não era por causa deles que o mal haveria de acontecer. Não sei bem, não faço ideia o que pensavam.

Sei que havia pessoas que não separavam o lixo, outras que deixavam carregadores ligados quando não estavam a carregar, e que também deixavam a televisão com uma luzinha sem a desligarem no botão. Também sei de muita gente que tomava banho e deixava a água correr, correr..., mesmo quando não precisavam. Havia mais negligências, eu sei, muitas mais! O avô Joel deixou-me tudo escrito. Mas se estes pequenos actos eram tão complicados de evitar, posso imaginar como deve ter sido difícil lidar com os grandes!

Mas a certa altura compreendeu-se que era mesmo preciso ajudar e pensar nas coisas a sério e isso foi o suficiente para evitar muitas desgraças!

O meu avô deixou-me uma caixa com o nome "Caixa de Joel", onde pôs fotografias, recortes e mais informação sobre animais e plantas que não foi mesmo possível salvar e que deixaram de existir. Mas o que eu queria mesmo era tê-los conhecido de verdade! Ele disse-me que há muito tempo, também houve um senhor que soube que ía acontecer uma catástrofe parecida e guardou muitos animais numa Arca, para que os netos pudessem vir a conhecê-los.

Mas o meu avô não conseguiu...

20/06/2008

O dia em que a borboleta voou

Faz hoje três anos. O meu irmão chegou junto de nós e lemos-lhe o olhar. Abraçámo-nos os quatro em círculo e ele disse com um sorriso triste mas tranquilo "A borboleta já voou". Foi o último a estar com ela.
Ali, naquela maca do S.O., ela esperou o seu bem amado, o mais novo, o único rapaz, e na sacralidade da pequena intimidade que tanto pedimos e que as circunstâncias permitiram, foi ele quem a ajudou e a viu partir.
Guardo desse momento uma lembrança de alívio, de justiça, de bonomia. Nunca me revoltei com a sua morte. Antes pelo contrário, considerei-a uma benção. O que me revoltou foi o seu sofrimento, a forma como foi descurada nos últimos dias (coincidentes com um fim-de-semana), sem ter sido monitorizada 24 sobre 24 horas, como seria de esperar. Era doente cardíaca e apesar de estar a ser minada por metástases, o que a matou foi um enfarte.
Digo, com a comoção e a apreensão do que sei que motiva um ser nos seus momentos terminais, que a morte pelo coração foi o seu derradeiro acto de Amor. Foi esse acto de amor que lhe permitiu ser transferida de uma enfermaria tumultuosa para o S.O., onde a sua morte não foi espectáculo, nem prato cheio para voyeuristas, mas antes pelo contrário, onde pôde partir com a dignidade, a privacidade e a sacralidade que merecia e que nos era a todos tão cara.
Há três noites sonhei com ela e percebi que este ciclo terminou. Alcançou o inatingível.
Para sempre, a eternidade.

16/06/2008

O mestre e o escorpião

Um mestre oriental viu que um escorpião estava a afogar-se e decidiu tirá-lo da água; mas quando o fez, o escorpião picou-o. Reagindo à dor, o mestre soltou o animal e ele caiu de novo à água, afogando-se. De novo o mestre tentou tirá-lo e mais uma vez o animal picou-o.
Alguém que estava a observar a cena aproximou-se do mestre e disse: "Desculpe-me mas o senhor é teimoso! Não vê que todas as vezes que tentar tirá-lo da água ele irá picá-lo?".

O mestre respondeu: "Ele age de acordo com a sua natureza. A natureza do escorpião é picar e isso não vai mudar em nada a minha natureza, que é ajudar".
Então, com a ajuda de uma folha o mestre tirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida.

Não mudes a tua natureza se alguém te magoar; apenas toma precauções.

Autor desconhecido

09/06/2008

Limpeza étnica

Eles começaram por perseguir os comunistas
e eu não protestei, porque não era comunista.
Depois vieram buscar os judeus
e eu não protestei, porque não era judeu.
Depois ainda, vieram buscar os sindicalistas
e eu não protestei, porque não era sindicalista.
A seguir vieram buscar os homossexuais
e eu não protestei, porque não era homossexual.
Aí então vieram buscar os ciganos
e eu não protestei, porque não era cigano.
De seguida vieram buscar os imigrantes,
e eu não protestei, porque não era imigrante.
No final vieram buscar-me,
E já não havia ninguém para protestar.

Martin Niemöller

05/06/2008

A minha paixão

Tenho, sempre tive, um enorme fascínio pela história de Cristo. Foi ele a minha primeira paixão, este homem bom, pleno de Amor, idealista, um louco talvez, mas de uma loucura compassiva, que trouxe uma chama belíssima a este mundo. Imagino como tudo seria hoje muito mais selvagem e desumanizado, se de alguma forma a influência benéfica deste homem não estivesse quase atavicamente impregnada nos nossos corações.
Por isso quando se fala, se escreve, se produz sobre ele, eu fico sempre alerta, cheia de ansiedade e receio de que de alguma maneira (por via da escolha dos actores, da produção/encenação, etc.) seja adulterada a sua história e a sua imagem ou, melhor dizendo, a imagem que alimento da pessoa que creio ele tenha sido.
Depois de ter sido um sucesso de bilheteiras como opera rock em Londres e NY, em meados dos anos 70, o filme "Jesus Cristo Supertar" estreou em Portugal. Acho que nunca mais o larguei... vi-o uma dezena de vezes... , e decorei as músicas todas do princípio ao fim (naquele tempo havia tempo para isso), porque entretanto lá em casa comprámos o disco.
Ainda hoje me deleito quando ouço o CD, recordo as letras, as vozes, as entradas, a orquestra... Tenho-o gravado na minha pele, nos meus sentidos.
Por esta razão, quando me predispus a ir ver este espectáculo do La Féria, no Politeama, ía dividida entre o fascínio e a expectativa. Fascínio, porque adoro espectáculo, música, dança e, para além de tudo, ía assistir a mais uma versão da história do meu bem-amado; expectativa, porque tinha muito receio de que em nada as vozes, os actores, os cenários, as letras (ainda para mais traduzidas), correspondessem à fantástica obra original.
Digo-vos apenas que vim cheia. Assisti a um dos mais magníficos espectáculos de sempre, ao nível e em superação de qualquer espectáculo internacional que se possa ver por esse mundo fora.
Lembrei-me com grande saudade, da mesma emoção e entusiasmo juvenis ao assistir a outro musical sobre a vida de Cristo, "GodSpell" (também nos anos 70 em Portugal), protagonizado pelos jovens actores, então em início de carreira, Carlos Quintas, Joel Branco, Rita Ribeiro, Verónica, Vera Mónica...
Acredito na arte do espectáculo em Portugal e admiro o trabalho e talento de todos quanto a expressam com seriedade.

02/06/2008

Acreditar é preciso

"Não há impossíveis no que toca às capacidades extraordinárias do poder da nossa mente e de recuperação do nosso corpo físico. ACREDITEM..." (Salvador Vaz da Silva).

Ou
tubro de 2007. Após meses de insuportáveis dores de cabeça, tonturas e outros sintomas, SVS vai (arrastado por um amigo) ao médico e são-lhe diagnisticados cancros em estado muito avançado no cérebro e nos pulmões. Veredicto clínico: três semanas de vida e, se a radioterapia intensa a que se iria submeter de imediato resultasse em pleno, seis meses, no máximo.
Na impossibilidade de comunicar com os milhares de pessoas com quem se relaciona, SVS criou um blogue onde diariamente passou a dar conhecimento sobre o ponto de situação da sua doença.
A forma incrivelmente positiva com que se empenhou na luta pela sua cura e a forma como a foi descrevendo no blogue
salvadorvazdasilva.blogspot.com, fez com que este se tornasse rapidamente num enorme fenómeno de popularidade, extravasando em muito o alargado universo dos seus familiares e amigos.
Passados seis meses, e perante o espanto dos médicos que para tal não encontram explicações científicas, SVS escreveu o último post no seu blogue, no qual confirmou a erradicação total dos vários tumores cerebrais e pulmonares que lhe ameaçaram decisivamente a vida.
Para trás ficaram seis meses de um diário feito na base de cerca de 200 posts e milhares de comentários, transmitidos num original blogue que passou a ser espontâneamente conhecido por
"
Catedral". Um blogue - agora um livro - que é um diário de uma fantástica luta, transformada numa verdadeira lição de esperança e fé para todos os que se encontram perante as maiores adversidades da vida.
O valor de direitos de autor, acrescidos de uma parte da receita de vendas da Prime Books, reverterão integralmente a favor do IPO. Prefácio da cantora Mariza.


(Informação recebida por e-mail sem indicação da fonte.)

30/05/2008

Demito-me

Venho por este meio apresentar oficialmente o meu pedido de demissão da categoria dos adultos.
Resolvi que quero voltar a ter as responsabilidades e as ideias de uma criança de oito anos, no máximo.
Quero acreditar que o mundo é justo, e que todas as pessoas são honestas e boas.
Quero acreditar que tudo é possível.
Quero que as complexidades da vida passem despercebidas por mim e quero ficar encantada com as pequenas maravilhas deste mundo.
Quero de volta uma vida simples e sem complicações. Estou cansada de dias cheios de computadores que falham, montanhas de papelada, notícias deprimentes, contas a pagar, intrigas, doenças, e necessidade de atribuir um valor monetário a tudo o que existe.
Não quero mais ter que inventar maneiras de fazer o dinheiro chegar até o dia do próximo pagamento.
Não quero mais ser obrigada a dizer adeus a pessoas queridas e, com elas, a uma parte da minha vida.
Quero ter a certeza de que Deus está no céu e que por isso tudo está direitinho neste mundo.
Quero ir ao McDonalds ou à pizzaria da esquina e achar que é melhor do que um restaurante cinco estrelas.
Quero viajar ao redor do mundo no barquinho de papel que vou fazer navegar numa poça deixada pela chuva.

Quero atirar pedrinhas à água e ter tempo para olhar as ondas que elas formam.
Quero achar que as moedas de chocolate são melhores do que as de verdade, porque podemos comê-las e ficar com a cara toda lambuzada.
Quero ficar feliz quando amadurece a primeira nespereira ou a primeira ameixoeira, quando a laranjeira fica carregadinha de fruta.
Quero poder passar as tardes de Verão à sombra de uma árvore, construindo castelos no ar e dividindo-os com meus amigos.
Quero voltar a achar que chicletes e gasosas são as melhores coisas da vida.
Quero que as maiores competições em que eu tenha de entrar sejam um jogo de berlinde ou uma futebolada...
Eu quero voltar ao tempo em que tudo o que eu sabia era o nome das cores, a tabuada, as cantigas de roda, "As Pombinhas da Catrina" e a "Avé Maria" e isso não me incomodava nadinha, porque eu não tinha a menor ideia de quantas coisas eu ainda não sabia...
Quero voltar ao tempo em que se é feliz, simplesmente porque se vive na bendita ignorância da existência de coisas que podem preocupar-nos e aborrecer-nos.
Quero acreditar no poder dos sorrisos, dos abraços, das carícias, das palavras gentis, da verdade, da justiça, da paz, dos sonhos, da imaginação, dos castelos-no-ar e na areia.

E o que mais quero é estar convencida de que tudo isso vale muito mais do que o dinheiro!
Por isso, tomem aqui as chaves do carro, a lista do supermercado, as receitas do médico, o livro de cheques, os cartões de crédito, o contra-cheque, os crachás de identificação, as contas a pagar, a declaração de impostos, a declaração de bens, as passwords do meu computador e das contas no banco, e resolvam as coisas como bem quiserem.
A partir de hoje isto é com vocês, porque eu DEMITO-ME da vida de adulto.
Vou voltar a ser feliz, a ter sonhos de criança, a ver o mundo com os olhos inocentes de quem acredita no Pai Natal e na fada dos dentes... Viver um sonho...

Autor desconhecido

26/05/2008

O gosto de te ver feliz

O senhor Ed chamou o cachorro Fritz e o gato branco e disse-lhes que pedissem às gaivonhas e à cegota o favor de dizerem aos bois de pelo dourado, às vacas malhadas e às ovelhas pura lã que se juntassem, pois iriam ser acompanhados pela incansável orquestra composta por chilreios esvoaçantes, ondas adormecendo nas rochas, chocalhos leves e vibrantes, zumbidos harmoniosos de insectos, chuva morna banhando a planície e o suave crepitar da lareira, no agradecimento pela cumplicidade de estarmos inequivocamente unidos neste gosto de te ver feliz.

Descubra as diferenças

Quando o dólar é mais forte do que o euro, o preço dos combustíveis aumenta.
Quando o euro é mais forte do que o dólar, o preço dos combustíveis aumenta.

21/05/2008

Homem de Maio



Hoje é o dia dele, é a festa do meu amor perfeito,

desse homem bonito florido na doçura de Maio!

20/05/2008

Gambosinos

Há quatro anos atrás, no Aquário Vasco da Gama, vi Gambosinos. Quando ocasionalmente comentava este facto com os meus interlocutores, eles olhavam-me com ar de gozo e sentia-lhes o pensamento "que tonta, espera que eu acredite...". Mas quem não sabe e não tem humildade, duvida sempre do conhecimento dos outros, por isso foi sempre para o lado que eu dormi melhor. Eu tinha visto gambosinos e ponto final.
Ontem, em conversa, lá surgiram eles outra vez...
Por isso partilho aqui o pouco que sei. Gambosino é o nome popular que se dá em Portugal a um peixe, mais exactamente o Gambusia Affinis Holbrooki, que é considerada uma espécie invasora. As imagens são do site
www.aquariofilia.net.

Também no Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências há um aquário com Gambosinos. Ver para crer...

13/05/2008

Normose

O coração é um dos símbolos do centro vital (...), o coração é o centro da relação.
Colocamos em ressonância esta parte do nosso corpo com as relações que podemos ter, não somente com nossa família e com os sonhos que a nossa família tem para connosco, mas também com os sonhos e as imagens que a sociedade pode ter para connosco. Às vezes estas imagens são coleiras de ferro no nosso pescoço. Estamos como que aprisionados às imagens que os outros têm de nós mesmos. Isso nos impede de respirar livremente e de deixar nosso coração bater tranquilamente. Isto gera uma tensão, uma crispação, que pode ser a origem de doenças graves (...).
Às vezes sentimo-nos sufocar. Não correspondemos à imagem que os outros têm de nós, seja a nossa família, seja a sociedade. Se não quisermos adoecer (...) temos que ter a coragem de sair destas representações (...). Ao lado da psicose, ao lado na neurose, temos a "normose". Para alguns de nós, querer ser normal a qualquer preço, querer ser como todo o mundo, pode ser fonte de doenças. Porque estamos entravados no nosso desejo mais íntimo.
.
Jean-Yves Leloup, in "O Corpo e os Seus Símbolos"

09/05/2008

Vida

Estamos mortos antes de sermos concebidos e começamos a morrer depois de o sermos. A este brevíssimo circuito entre mortes chamamos vida.
A vida é um curto circuito cósmico.

08/05/2008

Mobbing

"O “mobbing” ou assédio moral no trabalho é responsável por um quinto dos suicídios entre a classe trabalhadora, de acordo com uma investigação de Iñaki Piñuel, professor de Psicologia na Universidade de Alcalá de Henares, em Espanha.
Num livro de auto-ajuda para vítimas, agora publicado, o catedrático defende que o “mobbing” afecta um em cada seis trabalhadores e que 70% destes não têm noção de estar a ser alvo de agressões no local de trabalho.
Em Espanha, segundo o autor, esta “epidemia organizacional do século XXI” atinge 15% da população activa, num total de 2,3 milhões de pessoas.
E em Portugal? "
Jornal de Negócios - Agosto, 20, 2003

Frequentemente nem nós nos apercebemos de que estamos a ser assediados moralmente. Só quando começamos a ter sintomas depressivos ou fóbicos é que tomamos consciência de que algo de errado se passa. Excluindo as situações mais óbvias, em que a empresa vai retirando trabalho ao trabalhador forçando a que o mesmo se despeça, ou casos em que os superiores hierárquicos agridem verbalmente os funcionários, ou depreciam constantemente o seu trabalho, destruindo por completo a sua auto-estima, existem outras formas de pressão e desmoralização mais subtis (no caso das mulheres, primam pela descriminação), que poderão não ser identificados por terceiros e que só o próprio lesado poderá perceber através de uma avaliação das suas emoções face ao "agressor". Entre outros, sentimentos profundos de frustração, marginalização, fobia e baixa auto-estima, que não se manifestavam anteriormente e que não advenham de questões do foro pessoal/familiar, poderão eventualmente ser indicadores de "mobbing".
Se é verdade que todos precisamos de trabalho para garantir a nossa subsistência, também é verdade que as instituições precisam de nós para se desenvolverem e gerarem proveitos. É desta necessidade recíproca que surge o contrato de trabalho, conferindo direitos e obrigações a ambas as partes.
É saudável considerarmos este aspecto de "troca" nas nossas vidas profissionais, para que não nos sintamos escravos de uma necessidade. Ao olharmos para o nosso trabalho sob um ponto de vista esclavagista, estamos imediatamente a desvalorizarmo-nos. Inconscientemente assumimos e passamos essa imagem, permitindo a ocorrência de situações de desrespeito, humilhação e abuso de autoridade. Ao contrário, se mantivermos uma postura respeitosa para com nós próprios, dignificando o nosso papel, seremos tratados de forma correspondente.
Naturalmente, face às dificuldades no mercado de trabalho, o receio de despedimento é constante, o que nos torna muito vulneráveis. Esta circunstância conduz-nos à passividade e ao receio do confronto, levando-nos a calar uma série de situações desconfortáveis, conferindo ao "agressor" um poder que na realidade ele não tem.
Temos, no entanto, que estar alertas para o facto de esse "calar" poder trazer-nos, com o passar do tempo, distúrbios emocionais sérios. O que não manifestamos, somatizamos.
O ideal seria todos nós lidarmos serenamente com os que nos afrontam. No momento certo, intervir com sinceridade e educação, é uma arma desarmante.
No entanto, nem todos temos a mesma forma de gerir os conflitos. Alguns optam pela via acusatória e conflituosa, de todo infrutífera.
Devemos ter sempre o cuidado de manifestar o que sentimos de uma forma assertiva, ao invés de optar por uma espiral acusatória e bélica.
Por outro lado, do ponto de vista humano, temos que ter a compreensão para perceber que muitas vezes o "agressor" também é vítima. Vítima de si mesmo, ou de situações pessoais e familiares complicadas. As suas atitudes agressivas são frequente e simultaneamente defensivas. Agride para não ser agredido, para se sentir mais forte, para esconder a sua fragilidade, ou simplesmente porque também está a ser pressionado. Alguns, infelizmente, são mesmo vítimas de psicoses graves.
Urge aprendermos a distanciarmo-nos emocionalmente dessas pessoas, para que não sucumbamos às suas manipulações. Só o distanciamento e a compreensão poderão manter-nos saudáveis e, quem sabe, até conseguirmos ajudá-las.
Lembremo-nos que, independentemente das diferenças, todos somos igualmente frágeis, todos temos inseguranças e receios, e todos nós precisamos de atenção e conforto emocional.

Seixo na água

Há uma imagem mental que me acompanha na noção de que uma acção isolada, por pequena que pareça aos nossos olhos, tem consequências que podem ser surpreendentes e gerar movimentos de influência cada vez maiores. É o efeito "seixo na água". Ao ser lançado, o seixo provoca a formação de círculos à sua volta, em tamanho crescente. Este é também o efeito das nossas acções. Se tivermos actos de atenção e generosidade com alguém, essa pessoa vai ficar positivamente influenciada e da mesma maneira vai influenciar cada pessoa do seu círculo de relações, depois cada uma destas as do seu e assim sucessivamente. Isto também é verdade para as acções negativas, têm o mesmo efeito de multiplicação. Isto é, se hoje alguém me aborrecer e eu influenciar negativamente 5 pessoas do meu círculo, no final do dia poderão estar uns bons milhares de pessoas com mau humor...

06/05/2008

04/05/2008

Ponto final

Há dias que acabam assim, felizes. Perguntou-lhe "E se fôssemos ao outro lado?". Entraram no cacilheiro e foram abraçados, olhando a espuma entre as manchas da vidraça, imersos nas suas travessias. Caminharam de mãos dadas pelo passeio ribeirinho, sem pressa, sentindo no espaço aquela presença que era a deles.
No contraste da noite deixaram-se encantar por uma pequena mesa, que envolta pela bruma alaranjada das velas, parecendo tocar o rio, esperava para acolhê-los.
E ali ficaram na penumbra daquela luz ténue, avistando a cidade linda do outro lado como numa tela de cinema.
Voltaram tranquilos, sorridentes, enleados na sua própria ternura, ao cais, ao cacilheiro, à travessia. Novamente o olhar perdido na vidraça. E no final, por uns segundos, aqueles breves segundos que leva o tempo do retorno, todos saíram.
E eles ficaram ali, abraçados, esquecidos nos seus pensamentos de água.

01/05/2008

Encontro

Já passava das 12 badaladas. Aquela cinderela não tinha carruagem, nem sapatinhos de cristal, nem vestido adornado de laçarotes. Desceu pelo seu pé a calçada até à rua do santo, ao som compassado das botas pisando o passeio. Radiante, sentia alguma coisa pairando no ar e esse pressentimento trazia-lhe um sorriso feliz de dentro, animada por um bem estar quase irreal, como quem intui uma promessa prestes a cumprir-se. Como no conto, dirigia-se a um lugar animado por dança e música. Logo ali, ao entrar, a visão que lhe cativou os sentidos. No vazio da sala, um único homem enleava-se solitariamente num dançar feito de ritmos quentes e sensuais, esperando o seu par. Percebeu-a, logo à chegada. E iluminando-se com o sorriso mais bonito que alguma vez ela havia visto, foi buscá-la para dançar. E assim aconchegados um ao outro como se fossem a sua própria casa, reconheceram na força daquele abraço a magia do encontro.

29/04/2008

Alquimia

As palavras essenciais e justas que gostaria de escrever estão de tal forma enterradas na minha limitação que nem lhes consigo chegar. Sigo pelas figuras de estilo, as comparações, as imagens, as metáforas, pelo recurso a esta redundância humana de buscar pelo lado de fora uma tradução dos estados de alma. Um estar do avesso.
Sinto uma dor magoada como se tivesse sido alvejada, como se tivessem disparado um tiro certeiro no meu coração e a bala ficasse alojada numa zona de fronteira entre a morte e a esperança de vida presa por um fio. E esta parece ser uma situação deveras dolorosa, a incerteza da permanência do lado de cá e a possibilidade de uma passagem para o outro lado.
Mas é um desafio. Há um coração que teima em bater, em vibrar, em mostrar que tem força e dignidade para ir à luta. E aquele objecto dual, estranho, desconfortável, ali alojado, não pode ser subestimado. Há um prenúncio de vida nele, mais do que de morte. O coração tem que cuidá-lo, acomodá-lo, para que se mantenha no mesmo lugar. Um batimento mais forte, e poderá deslocar-se fatalmente; uma vibração a mais, e o fio de vida poderá partir-se. E o coração, sabendo ser este o caminho a seguir, a busca do equilíbrio entre forças primordiais aparentemente antagónicas, recolhe-se em silêncio trabalhando na alquimia. E corajoso, seguro do Amor que o anima e que só ele sabe sentir, confia que no tempo necessário, tal como uma impureza dentro de uma ostra, a bala nele alojada se transformará em pérola.

24/04/2008

Sem medida

Amo o amor com ciúme, a paixão que incendeia, emoções à flor da pele. O amor vivido a desoras, lembrado em cada detalhe, ansioso pelo encontro, pela voracidade dos beijos. O amor que é cegueira, que endeusa o bem amado, que se enfeita de mil flores e dança na luz das velas. O amor feito de olhares, de palavras sussurradas, de gemidos musicados, de odores viciados e carícias de mãos dadas. O amor atento e presente, que é justo com a tristeza, que sabe a risos e lágrimas, que dói sem nunca magoar. O amor que sonha acordado, que faz projectos do nada, que é desenho ou é tela, vestido de cores quentes. O amor que se faz inteiro, sem pudores, nem reservas, que se entrega e que possui, que invade e que fascina. O amor que se reescreve, que a cada dia renova, que esquecendo a sua fome, nutre as almas amantes de eterno e de fugaz. Amo o amor desmedido. Amo quem ama assim.

23/04/2008

Redundância

Naveguei por um milhão de palavras. Reconheci-me no clichê. Está tudo sentido. Tudo dito. As palavras gastas. A emoção banalizada. A novidade envelhecida. Ao espelho reflecte-se um déjà vue, déjà dit, déjà ecoutè, déjà touchè, déjà aimè, déjà forniqué... Déjà tout! Há um pulsar febril na constatação do meu ser redundante. Ferida, agonizante, morre-me a inocência, devagar...

Solidão

Solidão não é a falta de gente para conversar, passear, namorar ou fazer sexo… Isso é carência.
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que já não podem mais voltar… Isso é saudade.
Solidão não é o retiro voluntário que às vezes nos impomos para realinhar os pensamentos… Isso é equilíbrio.
Solidão não é o claustro voluntário que o destino nos impõe compulsoriamente, para que revejamos a nossa vida… Isso é um princípio da natureza.
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado… Isso é circunstância.
Solidão é muito mais do que isso.
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa Alma.

Chico Buarque de Holanda

18/04/2008

À janela

Quando olho aqueles dois rebentos de sardinheira a despontar docemente, penso que somos nós a florir.

15/04/2008

Pensar o futuro

No passado Domingo, no programa "E Depois do Adeus" da RTP1, o tema foi os idosos e todos os problemas e necessidades que os afectam, os maus tratos, o abandono, a solidão, a doença, a precaridade económica, bem como a ausência de estruturas e instituições que, do ponto de vista humanístico, social e clínico, possam dar o apoio que todos os idosos de hoje merecem e que todos NÓS, os do futuro, mereceremos. Já em Janeiro eu tinha aqui tocado ao de leve neste assunto.
Às vezes distanciamo-nos deste problema, porque não parece ser a nossa realidade pessoal, é a realidade de outros. Não obstante, esses outros também já foram jovens, alegres, saudáveis e, provavelmente como muitos de nós, também fecharam os olhos a estas questões.
A qualidade do nosso futuro pessoal e a qualidade de vida que queremos legar às crianças e jovens de hoje, não pode ser adiada, nem as opções e decisões para que isso aconteça deixadas apenas ao critério de quem governa (e este governar não é apenas político). A nossa inércia cívica terá custos elevados que nos serão inexoravelmente cobrados.
Quando era pequena, da simpatia que nutria pelos velhinhos com quem me cruzava, brotou em mim o sonho de ganhar a lotaria e mandar construir uma aldeia com um grande parque cheio de lagos e jardins, para onde as pessoas mais velhas pudessem ir viver tranquilamente em casinhas, simulacros dos seus próprios lares, onde tivessem quem cuidasse delas. Uma espécie de resort com residências assistidas, dos dias de hoje.
Naturalmente, naquela época o meu espírito inocente e compassivo construiu um projecto sem fins lucrativos; a intenção era a de proteger a doçura da velhice de todas as agressões, proporcionando conforto e dignidade a todas as pessoas nesse tão frágil período de vida.
Não sou caso raro. Ao longo do meu caminho cruzei-me com muita gente que confidenciou ter tido o mesmo tipo de idealismo infantil. Pergunto-me apenas porque o perdemos (ou o adulteramos) na maturidade, quando é precisamente esta a altura em que temos ferramentas para trazer o sonho à realidade.
Na verdade, não posso dizer que o tenha perdido. Ainda hoje penso que se ganhasse o "Euromilhões" (sinais dos tempos...), a minha bússola interna apontava para aí e para outras mais valias que fui, entretanto, acrescentando ao meu sonho virginal.
O que receio é que, para além de nunca vir a ganhar o dito baú do tesouro..., o tamanho da minha ambição onírica seja inversamente proporcional à minha dinâmica de acção, e que eu acabe por ver morrer um sonho sem sequer o ter deixado viver.