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29/12/2009

Contacto


Baseado no livro com o mesmo nome, "Contacto", de Carl Sagan, de vez em quando revisita-nos no canal "Hollywood".

Carl Sagan foi um céptico levado ao extremo, como qualquer bom crente, eu diria. Sempre tive isto para mim, que os maiores cépticos são os que mais crêem mas têm um medo profundo da verdade que os sustenta intimamente. Desacreditam até não haver mais alternativas de negação, para que depois a verdade final seja irrefutável.
Quem conhece um pouco da sua obra sabe que, como cientista, ele nunca deixou cair o véu senão em "Contacto". O seu trabalho parece querer provar que aquilo de que suspeitava não tinha bases científicas comprovadas e por isso sempre o negou, ou melhor, nunca o confirmou.

Mas em "Contacto" ousou mostrar-nos o seu lado crente, personificado por Jodie Foster, também ela no papel de uma cientista céptica da sua própria experiência: "Por um lado tudo o que sei como ser humano me diz que sim, esta experiência pela qual passei é real. Mas como cientista, sou obrigada a reconhecer que não tenho quaisquer evidências que a possam validar".

Estava a referir-se à sua viagem cósmica e ao contacto alienígena. Fisicamente, não saiu da plataforma de lançamento, mas a sua mente, a sua consciência, seja o que for, viajou durante 18 horas pelo cosmos. É assim, dizem os estudiosos desta matéria, que somos contactados e viajamos pelo universo: através da mente. Sendo assim, como prová-lo efectivamente? É uma experiência pessoal, individual, como conseguir que seja credível senão pela nossa própria confirmação, pela nossa palavra?

No nosso micro-cosmos valem os papéis, as experiências laboratoriais, as provas materializadas. Mas as palavras que atestam uma experiência pessoal, imaterial, não.

Somos apenas um corpo animado por uma energia vital que se desagrega irreversivelmente no processo de morte. Grosso modo, o exemplo de uma lâmpada dá-me a metáfora. A energia não se vê, mas sabemos que se manifesta através da lâmpada e que continuará a existir mesmo que ela se funda. Por onde anda a circular essa energia quando não está a ser utilizada?
O facto de conhecermos todo o seu processo de captação e distribuição, faz com que a vejamos? Alguém alguma vez viu efectivamente a electricidade? Não. Apenas sabemos que existe pelos seus efeitos.
Porque será então que temos tanta dificudade em aceitar que enquanto dormimos, sonhamos, estamos inconscientes, a nossa energia possa circular por outras esferas às quais o corpo físico, pela sua densidade e materialidade, não pode aceder?
Acredito profundamente que o fazemos e sei intimamente que a beleza do universo é indescritível. Como ela no filme disse numa comoção contagiante: "Não há palavras, não há palavras... é pura poesia! Deviam ter enviado um poeta! É tão lindo, tão lindo!".


Para mim, esta é a maior mensagem de fé e de esperança que Sagan poderia deixar-nos.

28/12/2009

Olhas-me, logo existo

Um homem pode alcançar tudo na solidão, excepto um carácter.
Stendhal

Tomei de empréstimo ao Gigante Egoísta esta reflexão, por me fazer tanto sentido na construção do Ser que nos prometemos cumprir através do olhar amoroso do outro.
O meu ser que se reverencia perante o teu, dá vida e valida a tua existência.

"(...) A asserção de Stendhal traduz a noção de que o nosso carácter nasce nas reacções dos outros a nós próprios. Isto implica que necessitamos dos outros para nos sentirmos completos.

Sentirmo-nos completos lembra-nos a ideia aristofânica da cara-metade proposta no banquete platónico. O ponto a que quero chegar é que o amor é a função através da qual nos podemos sentir completos. O amor permite um feedback contínuo, que funciona como uma confirmação permanente da nossa identidade própria. São, assim, necessários sempre dois para que haja uma completude identitária.

Pode ser assim entendido o conceito de um Deus, central à maioria das religiões, Deus esse que nos vê a todo o momento e nos ama. Ser visto significa que se existe, e ser visto por alguém que nos ama é receber os contornos directores daquilo que nós próprios desejamos intrinsecamente ser."

21/12/2009

A pequenez das coisas

Era um suplício quando, nas aulas de Ciências Naturais, dissecávamos pombos e rãs. Isso fazia sentir-me tão triste. Sentia-me como uma profanadora de templos ao abrir as entranhas do animal, revolvendo ao pormenor o mecanismo que tinha feito aquele ser respirar e existir.
Transformá-lo num instrumento e objecto de experiência laboratorial, para facilitar a compreensão e o domínio do nosso pequeno mundo, parecia-me uma heresia e uma tremenda violentação.
Imaginei-me em situação idêntica, dissecada por uma espécie mais inteligente, atenta às minhas entranhas e ignorante da minha essência, revoltada “Não será através dos meus intestinos que me chegam à alma!”.


Dizia o Principezinho que o essencial é invisível aos olhos.
O lado mágico das coisas, a força e a inteligência que estão por detrás da Manifestação, essa não podemos dominar, porque nem sequer a vemos. Talvez nunca a vejamos, focalizados que estamos no esquartejar do mundo para fazê-lo caber na nossa compreensão.

Incapazes de voarmos para abraçar o absoluto, reduzimos o mundo ao nosso tamanho e chamamos a isso evolução.

13/12/2009

Earth Water

Arrancou esta semana em Portugal um projecto pioneiro de solidariedade.

A água embalada Earth Water é o único produto no mundo com o selo do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), revertendo os seus lucros a favor do programa de ajuda de água daquela instituição.

A nível nacional, a Earth Water é um projecto que conta com a colaboração da Tetra Pak, do Continente, da Central Cervejas e Bebidas, da MSTF Partners, do Grupo GCI e da Fundação Luís Figo.

Com o preço de venda ao público (PVP) de 59 cêntimos, a embalagem de Earth Water diz no rótulo que «oferece 100% dos seus lucros mundiais ao programa de ajuda de água da ACNUR», apresentando, mais abaixo, o slogan «A água que vale água».

Actualmente morrem diariamente 6 mil pessoas no mundo por falta de água potável e destas, 80% são crianças. A cada 15 segundos morre uma criança devido a uma doença relacionada com a água. Com 4 cêntimos, o ACNUR consegue fornecer água a um refugiado por um dia.

Com a criação da Earth Water pretende fazer-se a diferença e melhorar estas estatísticas assustadoras. Ao desenvolver o conceito "You Never Drink Alone" pretende-se criar solução para a falta de água mundial.

http://earth-water.org/

14/11/2009

O tema do momento

A corrupção entra para ocupar o lugar que o rigor e a ética deixaram vazio, ou porque nunca chegaram a entrar, ou porque saíram e deixaram a porta entreaberta.
Apesar dos meus olhos míopes, vejo que temos permitido essa entreaberta, por incompetência e ignorância. Não sabemos fazer de outra forma e recusamo-nos a aprender a fazer melhor.
Os chavões "Foi só uma vez", "qual é o mal?", "toda a gente faz", sãos servidos em tomas diárias, há anos, desde a nossa mais tenra idade.... E já nos entraram de tal forma pelos ouvidos dentro, que é possível que daqui a algumas gerações (não muitas, porque isto corre rápido) já tenha até sido integrado no ADN. Mesmo agora, provavelmete muitos de nós já nem percebem que desviar 5 euros ou 5 milhões, é igual, ou que corromper a senhora do cartório com 100 euros ou pagar 1 milhão num concurso público para que ganhe a empresa Y, é a mesma coisa. Só difere na quantidade. A devassa, o podre, a incorrecção, estão lá. Infelizmente (mas não deliberadamente, espero), os media passaram-nos a mensagem de que é  pela bitola de personalidade, quantidade e grau que se afere a corrupção.

E se assim é, é mau. Primeiro, porque graus e valores elevados distanciam-nos completamente (a nós, protugueses na baínha) de todos os que praticam corrupção em altas sanefas. E como não nos identificamos com esses, pensamos "Os corruptos são eles", por contrapartida à nossa total idoneidade. 
Segundo, porque essa mesma circunstância impede-nos de observar o nosso próprio parasita corruptivo, que se albergou em nós nos bancos das creches, ou mesmo no primeiro sopro. Mas sem a humildade de um diagnóstico não o identificaremos; o que, em condições favoráveis, permirirá que ele se manifeste.

Não vejo que a corrupção familiar difira da política, da empresarial, da financeira, da futebolística, da farmacêutica, da jurídica. A corrupção é um tumor na mentalidade, na formação do carácter, na consciência cívica, e daí se metastizar brutalmente, atingindo todos os órgãos do nosso corpo governamental, social e cultural, tornando-o exangue, moribundo.


Que fazer então? Que tipo de cuidados paliativos se pode levar a cabo? Seria sempre ideal que os responsáveis autonoma e dignificadamente se revelassem, assumissem, de forma a ganhar tempo, reduzir custos e cortar o mal pela raíz. E também porque isso ao mesmo tempo lhes conferiria algum humanismo, o reconhecer o erro e o compromisso de não reincidência. Mas isso não acontece, a Corrupção traz sempre a irmã mais velha pela mão, a Conivência. E esta tem atributos de erva daninha, a mentira, a omissão, o disfarce, a justificação, a negação, o abuso de autoridade.
É verdadeiramente uma patologia. Uma patologia narcisista e estranhamente dissociativa. Quem a perpetua fá-lo para engrandecimento pessoal, criando ao mesmo tempo a fantasia de que não age incorrectamente e que não há razão para ser posta em causa.

Detecto os primeiros sintomas de corrupção na infância e juventude. Nas chantagens emocionais para obter poder e influência dos pais, por exemplo; nos jogos de cartas de mesa, no Monopólio, um jogo de altas negociações e de golpes baixos; nas vendas de legumes que se simulavam com pedras, carumas, folhas, onde já se manifestava concorrência desleal, sobrevalorização do produto, engano do cliente; nas compras e vendas na Feira da Ladra, onde habitualmente eram os feirantes que levavam a melhor; nas trocas e baldrocas que se faziam com os amigos, com motas, carros, fosse o que fosse. Às vezes perdiam-se amizades e compravam-se outras. Faziam-se vaquinhas com inimigos só para se tramar fulano (habitualmente um pachola sem jeito nenhum para o "negócio"). Os bons e os justiceiros eram parvos, e os que se desenrascavam prejudicando os outros, eram os espertos, os vivaços. O móbil era sempre o mesmo, poder, dinheiro, influência.

A noção de corrupção desenvolve-se pela interacção da pessoa com o mundo que a rodeia. Sem dúvida, todas aquelas experiências são imprescindíveis para o conhecimento da nossa esfera de actuação, não só como instrumentos de protecção e defesa, mas como dados valiosos que orientem as opções que faremos pela vida fora, para que possamos conscientemente avaliar qual é o caminho que queremos seguir e quais as responsabilidades que acarretam.

Mais uma vez, também aqui, a redundância sobre o valor da educação e dos educadores. É primordial, essencial, insubstituível, irrevogável!

Elejo a idoneidade para meu escudo invisível. É uma qualidade conscienciosa e cívica, unificadora da coluna vertebral (vulgo "carácter") e em constante estado de evolução e maturação.
E o meu contributo para o combate à corrupção começa assim, ao levantar. Tal como as vitaminas que tenho que tomar, o auto exame da mama que tenho que fazer, na minha rotina diária entra a avaliação canina da minha idoneidade.

01/11/2009

Contagem crescente

63072000 segundos
1051200 minutos
17520 horas
730 dias
104 semanas
24 meses
2 anos

26/10/2009

O lugar das pedras

Conta-se que um professor universitário levou para a sala de aula alguns objectos com os quais pretendia apresentar aos seus alunos uma metáfora das prioridades da vida. Os objectos eram pedras grandes, seixos, areia, água e uma taça de vidro. Pôs a taça em cima da mesa e escondeu os restantes objectos.


Quando os alunos o fixaram, disse “Esta taça representa a nossa vida”. Baixou-se, pegou numa pedra grande e colocou-a lá dentro. Em seguida, perguntou aos alunos "Cabe mais alguma coisa aqui?". "Sim", responderam. Mais um vez baixou-se, pegou em mais duas pedras grandes, colocou-as na taça e perguntou "Ainda cabe mais?". E os alunos responderam que não, porque a ponta de uma das pedras já estava fora da taça.
Então o professor baixou-se novamente, pegou em alguns seixos e areia, e começou a pô-las dentro da taça. Os seixos e a areia começaram a passar pelos intervalos das pedras grandes e ficaram no fundo da taça. E o professor perguntou mais uma vez: "Acham que ainda cabe mais?". Os alunos ficaram em silêncio, indecisos, aguardando o próximo movimento do professor.
Ele então deitou a água por cima de tudo. A água foi passando pelos intervalos dos demais objectos até chegar ao fundo da taça. O professor, com um sorriso, disse aos alunos: "Viram? Coube tudo!". Eles permaneceram em silêncio, expectantes do que se seguiria. O professor perguntou, "Alguém pode dizer-me o que tentei transmitir-vos nesta aula?".
Um aluno levantou a mão e disse: "Tentou mostrar-nos que há sempre tempo para tudo, que mesmo quando achamos que não temos tempo para nada, se nos esforçarmos conseguiremos encontrar um tempinho".
O professor respondeu: "Não, não foi essa a minha intenção. O que eu quis transmitir é que na vida há coisas que devem ter prioridade. As pedras são os nossos pilares, a família, o amor, a saúde. Se tudo o resto se perdesse, ainda assim a vida estaria cheia.

Quando pus primeiro as pedras grandes, em seguida os seixos, depois a areia e por fim a água, estava a demonstrar que há uma ordem natural nas prioridades. Se eu a invertesse e pusesse primeiro a água, a areia e os seixos, quando quisesse pôr as pedras não haveria espaço e a água transbordaria. E assim correria o risco de não ter espaço para o que é mais importante.
Se tivermos bem assentes as bases, todas as outras coisas encontrarão o seu lugar na nossa vida.”

(autor desconhecido)





28/09/2009

Paisagem sem alma

Estou nos escombros de uma linha de 50 metros de cedros decepados.
E se ainda restavam algumas dúvidas, o impacto desse vazio obrigou-me a perceber de uma vez por todas a finitude de um tempo.
Crescemos e morremos com o que nos envolve. Criamos identidades com as coisas, ambientes, paisagens, pessoas, que se vão enfileirando no nosso caminho, que estruturam o nosso ser e constituem a nossa vida.
Por cada objecto que perco, por cada ambiente que se deteriora, por cada paisagem que se desfaz, por cada pessoa que parte, o meu ser morre um bocadinho.
Morre-se assim aos pedaços, até já não haver mais nada para morrer senão esta cápsula que albergou pelo tempo necessário um aparelho de emoções, o mais extraordinário mecanismo que o universo elaborou.
O que é a vida senão uma experiência emocional?


A tristeza nunca é servida em meias doses. E se já me era difícil o dizer adeus à Casa Verde, mais penoso é vê-la mutilada, destituída da visão emblemática, grandiosa, verdejante, que era a parede de majestosos cedros fazendo fronteira com a estrada e resguardando, zelozamente, a sua privacidade.
E por despreparo, na total ausência de aviso ou consentimento, o embate com a sua nudez magoou-me até às entranhas. Revoltou-me ver a sua dignidade ferida de forma tão vil e brutal, sem qualquer pudor.
De repente eu era a casa e os cedros a minha roupa. E ali jazia eu, a minha intimidade devassada, a minha nudez exposta.
Pensei na minha mãe, na sua iniciativa e em todo o trabalho conjunto na plantação daqueles 37 anos de cedros. Que tristeza sentiria, ou sentirá, de algum ponto deste incomensurável comos, ao ver esta paisagem sem alma...

Confronto-me com a minha própria finitude. Com a Casa Verde, mais um pedaço de mim se morreu.

13/07/2009

Dias felizes

Decidiram ir morar juntos porque era-lhes insuportável continuar a acordar todos os dias longe um do outro.

Queriam despertar e testemunhar a luz matinal em simultâneo e com o mesmo olhar. Achavam que q
uando as pessoas moram separadas, não vêem as coisas de forma idêntica. E mesmo que mais tarde falem sobre o mesmo assunto, o facto é que o momento virginal já passou e foi vivido de forma desigual; perdeu-se a magia da união de sensações. Decididamente, não é a mesma coisa!

Queriam olhar um para o outro e enternecerem-se com as caras ensonadas e marcadas pela pressão nas almofadas, os cabelos naturalmente em desalinho, os pijamas amarrotados (às vezes descosidos), e com todas essas pequenas coisas simplesmente rotineiras (ou simplesmente maravilhosas?) que fazem o acordar diário para a vida.

Queriam começar o dia com muita energia positiva, trocar carícias e repetir vezes sem conta o quanto se amavam e precisavam um do outro, e quão boa era essa cumplicidade e dependência!

Queriam de mãos dadas agradecer a Deus, todos os dias, profunda e sentidamente, a Graça de os ter cruzado no mesmo caminho e de ter permitido que se encantassem imediata e mutuamente, como verdadeiras almas gémeas.

Queriam também agradecer um ao outro a perseverança da insatisfação, da procura e da espera, pois se conformadamente tivessem desistido nunca teriam tido a ventura desse encontro.

E apesar do passado escrito em cada um, conseguiram manter a candura de sentimentos e os seus corpos imaculados para o amor que se tinham prometido.

Sempre acreditaram que a sua união foi talhada no céu, nesse céu que é a esperança escondida no peito de quem espera e conhece intimamente o poder mágico de um sonho guardado.

Descobriram que afinal é possível dar-se integralmente e mesmo assim viver em plenitude.
Este era agora o tempo deles e eles iriam sorvê-lo.

20/06/2009

O quarto vôo da borboleta

Faz hoje 4 anos. Como ela sempre quis, vimo-la partir vestidos de branco, ouvindo música, em festa. A vida para ela foi sempre uma festa, mesmo que acabasse em bebedeira, pancadaria ou solidão, era festa.


As festas às vezes são assim. Vamos para ela enérgicos, cheios de expectativas; voltamos cansados, arrastando as pernas.

Mas isso nunca lhe roubou a alegria, a fúria de viver, a determinação, a concretização dos sonhos.

O que mais me custou depois da sua morte, ao arrumar os seus papéis, agendas, blocos, cadernos, folhas soltas, foi encontrar em todos eles o esqueleto de "projectos a realizar". Livros, cursos, conferências, viagens, espectáculos... A sua mente imaginativa, criativa, abstracta, era ilimitada; a sua perseverança e dinamismo, imparáveis. Acima de tudo, para ela tudo era possível e concretizável. Nunca lhe conheci impeditivos, nem medos de ir em frente. Antes pelo contrário, o único medo que lhe conheci foi o da imobilização. Dizia, quase premonitoriamente, "se algum dia ficar imóvel, incapaz de fazer coisas, prefiro morrer".
E o universo cumpriu a sua vontade.

05/06/2009

O drama feminino no mais natural acto fisiológico


Porque é que as mulheres demoram tanto tempo quando vão à casa de banho?

Quando eras pequenina, a tua mamã levava-te à casa de banho, ensinava-te a limpar o tampo da sanita com papel higiénico e depois punha cuidadosamente tiras de papel no perímetro da sanita.

Finalmente instruía-te: "Nunca te sentes numa casa de banho pública!". Depois ensinava-te a "posição", que consiste em balançar-te sobre a sanita numa posição de sentares-te sem que o teu corpo tenha contacto com o tampo.

A "posição" é uma das primeiras lições de vida de uma menina, importante e necessária, que a acompanha para o resto da vida. Mas ainda hoje, nos nossos anos de maioridade, a "posição" é dolorosamente difícil de manter, sobretudo quando a tua bexiga está quase a rebentar.

Quando tens que ir a uma casa de banho pública, encontras uma fila enorme de mulheres... Parece até que o Brad Pitt está lá dentro. Por isso resignas-te a esperar, sorrindo amavelmente para as outras mulheres que também cruzam as pernas e os braços, discretamente, na posição oficial de "estou aqui estou a mijar-me!".

Finalmente é a tua vez! E chega a típica mãe com a menina que não aguenta mais: "a minha filhota já não aguenta mais, desculpe, vou passar à frente!". Então espreitas por baixo de cada cubículo para ver se algum não tem pernas... Estão todos ocupados!

Finalmente abre-se um e lanças-te lá para dentro, quase derrubando a pessoa que ainda está a sair.

Entras e vês que a fechadura está estragada (está sempre!); não importa… Penduras a mala no gancho que há na porta… QUAAAAAL? Nunca há gancho!!!
Inspeccionas a zona, o chão está cheio de líquidos indefinidos e fétidos e não te atreves a pousá-la lá, por isso penduras a mala no pescoço enquanto vês como balança debaixo de ti, sem contar que a alça te desarticula o pescoço, porque a mala está cheia de coisinhas que foste metendo lá para dentro durante meses e a maioria das quais não usas, mas que tens no caso de…

Mas, voltando à porta… como não tinha fechadura, a única opção é segurá-la com uma mão, enquanto com a outra baixas as calças num instante e pões-te "na posição"…

AAAAHHHHHH… finalmente, que alívio… mas é aí que as tuas coxas começam a tremer… porque nisto tudo já estás suspensa no ar há dois minutos, com as pernas flexionadas, as cuecas a cortarem-te a circulação das coxas, um braço estendido a fazer força na porta e uma mala de 5 quilos a cortar-te o pescoço!

Gostarias de te sentar, mas não tiveste tempo para limpar a sanita nem a tapaste com papel. Racionalmente achas que não vai acontecer nada, mas a voz da tua mãe faz eco na tua cabeça "nunca te sentes numa sanita pública", e então ficas na "posição de aguiazinha", com as pernas a tremer… e por uma falha de cálculo da distância, um finííííssimo fio do jacto salpica-te e molha-te até às meias!!

Com sorte não molhas os sapatos… É que adoptar "a posição" requer uma grande concentração e perícia!

Para distanciar a tua mente dessa desgraça, procuras o rolo de papel higiénico... mas não há! Invariavelmente, o suporte está vazio!!!!

Então rezas aos céus para que, entre os 5 quilos de bugigangas que tens na mala pendurada ao pescoço, haja um miserável lenço de papel… Mas para procurar na tua mala tens de soltar a porta!? Duvidas um momento, mas não tens outro remédio. E quando soltas a porta, alguém a empurra, dá-te uma traulitada na cabeça que te deixa meio desorientada, mas rapidamente tens que travá-la com um movimento rápido e brusco enquanto gritas OCUPAAAAAADOOOOOOOOO!!

E assim toda a gente que está à espera ouve a tua mensagem. Ufa! Já podes soltar a porta sem medo, ninguém vai tentar abri-la de novo (nisso as mulheres têm muito respeito umas pelas outras).

Encontras o lenço de papel! Está todo enrugado, tipo um rolinho, mas não importa, fazes tudo para esticá-lo. Finalmente consegues e limpas-te. Mas o lenço está tão velho e usado que já pouco absorve, e molhas a mão toda! Valeu-te de muito o esforço de desenrugar o maldito lenço só com uma mão!

Ouves a voz de outra mulher nas mesmas circunstâncias que tu, "alguém tem um pedacinho de papel a mais?".

Sem contar com o galo que ganhaste com a pancada da porta, o linchamento da alça da mala, o suor que te corre pela testa, a mão a escorrer, a lembrança da tua mãe que estaria envergonhadíssima se te visse assim porque ela nunca tocou numa sanita pública ("Francamente, tu não sabes que doenças podes apanhar aqui, até podes ficar grávida". Lembram-se???).
Estás exausta! Quando páras já não sentes as pernas, arranjas-te rapidíssimo e puxas o autoclismo a fazer malabarismos com um pé, muito importante!

Depois lá vais para o lavatório. Está tudo cheio de água (ou será xixi? ocorre-te isto porque te lembras do lenço de papel…), então não podes soltar a mala nem durante um segundo. Pendura-la no teu ombro. Não sabes como é que funciona a torneira com os sensores automáticos, então tentas até te sair um jactozito de água fresca e com sorte consegues sabão. Lavas-te numa posição do corcunda de "Notre Dame" para a mala não resvalar e ficar debaixo da água.

Nem sequer usas o secador, é uma porcaria inútil, pelo que no fim secas as mãos nas tuas calças – porque não vais gastar mais um lenço de papel para isso, se é que o tens... E sais.

Nesse momento vês o teu namorado, ou marido, que entrou e saiu da casa de banho dos homens e ainda teve tempo para ler um livro de Jorge Luís Borges enquanto te esperava.

"Mas por que é que demoraste tanto?" - pergunta-te o idiota.

"Havia uma fila enorme" - limitas-te a dizer. Para quê mais? Ele nunca entenderia...

Moral da história: A razão pela qual as mulheres vão em grupo à casa de banho é por solidariedade. Uma segura-te na mala e no casaco, a outra na porta e a outra passa-te o lenço de papel por debaixo da porta. Assim é muito mais rápido e só tens que te concentrar em manter "a posição" e a tua dignidade.

(Recebida por e-mail/autora desconhecida)

24/05/2009

Pessoa, sempre...

"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive."



Ricardo Reis

Meditação por Portugal e pelo Mundo e Congresso Terra 2009

O Jornal Milénio e o Espaço Ser Inteiro apoiam e divulgam um dos Grandes Eventos deste Ano em Portugal:
com o seguinte endereço: http://www.congressoterra2009.mtp.pt/
Entrevista de Luís Resina à Imprensa sobre os principais temas do Congresso
Como o Estado requisitou a Aula Magna da Reitoria de Lisboa como local de voto para as Eleições Europeias no dia 7 de Junho, assim o novo Local do Congresso será:
Auditório da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa
PROGRAMA EXTRA CONGRESSO
· Inserido nas Festas da Cidade e em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa, haverá um Concerto pelo Grupo SamaSati e uma Meditação por Portugal e pelo Mundo no dia 7 de Junho a começar às 18h no Auditório Keil do Amaral em Monsanto (entrada gratuita)
Convite à Meditação Colectiva por Portugal e pelo Mundo
Dia 7 de Junho 18h 30 Auditório Keil do Amaral – Monsanto
A Comissão Organizadora do I Congresso Internacional de Sincronização com o Planeta Terra convida todas as pessoas que se identifiquem com os princípios Universais e Holísticos, assentes na Paz e na Solidariedade entre os povos e demais culturas, para estarem presentes na Meditação sobre Portugal e o Mundo.
O intuito deste encontro é promover a dignificação do Homem, da Terra e de todos os seres vivos que fazem parte deste Eco Sistema.
A ideia seria abraçarmos um Neo-Humanismo em plena sintonia com o Todo e assim alcançarmos o plano da Sincronização com o Planeta (a Mãe Terra).
Esta meditação irá contribuir para uma activação dos centros e canais de percepção que proporcionam uma maior expansão da Consciência e está aberta a todos os seres que almejam um mundo melhor.
Os representantes de qualquer tipo de Movimento ou Associação que queiram ter palavra neste evento ecuménico devem inscrever-se designando a sua função dentro do organismo a que estão associados e a sua intervenção não deverá exceder mais que 3 minutos.
Em seguida, haverá uma meditação guiada por alguns dos convidados, seguindo-se um momento especial de silêncio colectivo.
O recinto da Meditação é de entrada livre e aberto a todos os que queiram participar nela.
Agradeço que divulguem pelos vossos amigos e associados.
Em prol de um Renascimento da Alma Portuguesa
Luís Resina
Comissão Organizadora do Congresso Terra2009

http://www.congressoterra2009.mtp.pt/
As inscrições para o Congresso continuam abertas mas o número de lugares encontra-se limitado devido à alteração – Por favor inscreva-se o mais breve possível

21/05/2009

O teu dia

Hoje é o teu dia, homem de Maio, meu amor-perfeito.
Dia de festa e de celebração. Porque ainda é Primavera e um novo ciclo começa. Porque estamos vivos e unidos pela vida.
Que sejas imensamente feliz!

15/05/2009

Netmania


Eh lá, falta o Skype, o Orkut, o Messenger, o Google Talk, o Hi5... procuraste muito mal!

25/04/2009

A visita

Vi entrar uma menina com o cabelo castanho claro, uma mecha presa do lado direito com um elástico vermelho, caindo-lhe delicadamente sobre o rosto. Tinha um vestido com flores cor de-rosa e branco. Trazia uma flor na mão que parecia um malmequer, mas era vermelha.
Senti um grande carinho por ela quando os nossos olhos se encontrarm. Sorri e dei-lhe uma festa. Ela sentou-se ao meu lado, silenciosamente, e com alguma timidez de gestos tocou-me na mão.
Perguntei-lhe como se chamava e que idade tinha: "Vera, quatro anos". Ofereci-lhe um copo de água, disse que sim. Quis saber o que andava ali a fazer, "a passear", e se havia alguma coisa especial que procurava, "sim, um amigo para brincar". Eu disse que não podia dar-lhe esse amigo, mas que enquanto ele não aparecesse ela poderia visitar-me sempre que quisesse, para conversarmos e brincarmos. Ela anuiu e saiu devagar, dizendo que tinha lá fora um presente para mim.
Trouxe-me uma caixa embrulhada em papel vermelho e um laçarote branco.
Dentro dela estava o meu coração escrito com palavras douradas: "Cuida bem de mim. Cuida bem da tua criança interna".

06/04/2009

Desafio vencido

Ía com receio, confesso, apesar da minha agilidade, flexibilidade e boa vontade. A notícia da morte da filha da Vanessa Redgrave ainda estava muito presente. Ela tinha a minha idade.
Mas felizmente viémos todos inteiros e sem lesões.
E venci o medo.
Só não sei se repetirei...

19/03/2009

Mankind is no island



O Tropfest é o maior festival de curtas metragens do mundo. Começou há 17 anos em Sydney e no ano passado teve a sua primeira edição em Nova York. O vencedor foi este filme totalmente filmado com um telemóvel, com um orçamento de 40 dolares (cerca de 20 euros).

16/03/2009

Lugares de ódio

Hoje, em Aveiro, uma aluna de 13 anos agrediu com socos e pontapés uma professora, que se encontra internada em estado de choque.

Um lugar para o amor

Anteontem, numa entrevista sobre uma peça em cartaz, ouvi o João Mota dizer que "nos dias de hoje ama-se muito pouco". É verdade, ama-se pouco, e mal, o que é amável verdadeiramente.
A cultura urbana continua a amar demais o que não se leva para a cova e que não engrandece esta experiência de vida. Ama-se o superficial, os sinais exteriores, o status, o umbigo, a adulação, a auto-imagem. Ama-se a dissimulação, a mentira, as máscaras sociais, o jogo do oportunismo e do tirar partido, a visibilidade a que preço for. Ama-se muito uma pretensa esperteza e inteligência que anda a vigorar de forma prepotente e que tem as suas bases não na sabedoria, mas numa cultura informativa descartável diariamente, não no sentimento e sensibilidade, mas no raciocínio cartesiano e numa lógica matemática completamente desligados do núcleo emocional, não no humanismo de partilha e dádiva, mas num humanitarismo artificial, criado politicamente, no qual a solidariedade não é uma acção mas um conceito utópico, ou mesmo uma arma de luta em nada filantrópica.
Deixemo-nos de tretas. O amor embaraça. Há até quem o esconda e não é por medo que seja roubado, não; é por intimidação mesmo. Muitos olhos preferem ver o amor como uma fraqueza de espírito, porque o amor como força vital exige mudança, acção, transformação; é isso que nele intimida e amedronta. E a nossa resistência à mudança, profunda, brutal, irascível, rejeita-o na revolução e na verdade que ele exige.
Privilegia-se muito a agilidade mental, o discurso cerebral, a eloquência verbal. Toda a retórica política assenta aí. Os debates parecem-me festivais discursivos. Cada um tentando ser mais convincente do que o outro na busca de argumentação acusatório-defensiva.
Tão pouco inovadores, tão pouco originais, tão pouco convincentes humanisticamente. Tudo me soa a falso. Tudo me cheira a egos exarcebados.
Nada me convence (e provavelmente o mal estará em mim...) que sejam estes políticos cerebrais capazes de nos fazer sair desta crise social, moral, espiritual.
Como é que um político com uma mente completamente dissociada do sentimento poderá ser verdadeiro?
Para mim, e a menos que surja algum Mestre, a política patriarcal já deu o que tinha a dar. Apraz-me ver lugares de destaque ocupados por mulheres. Não sei se serão estas as mulheres; mas é a energia feminina a abrir caminho que me interessa, a que consegue aliar sentimento e razão e unificar pensamento, discurso e acção.
Precisamos de uma política que saiba nutrir, que saiba ouvir. Que seja menos orgulhosa, que saiba perder em razão para ganhar em paz. Que seja sentimental.
E só mesmo a mão do feminino encontrará na política um lugar para o amor.

06/03/2009

In Memoriam

Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam.
Edmund Burke

01/03/2009

A tasty ragu

This is the new production of the Lisbon Players Theatre Company: Saturday Sunday Monday, by Eduardo de Filippo, directed by Luciano Nobre.

Set in Napoli in 1958, Dona Rosa, the family matriarch is making her famous ragu for Sunday Lunch.
But not all is well in the the house....

A
tasty play, it seems...

Starting on the 3rd of March will run for two weeks from tuesday till sunday at 9pm. Sundays at 5pm.

Reservations: 21 396 19 46

More information: http://www.lisbonplayers.com.pt

28/02/2009

I Congresso Internacional sobre o Planeta Terra em Portugal

Pela primeira vez em Portugal, vai realizar-se o CONGRESSO INTERNACIONAL DE SINCRONIZAÇÃO COM O PLANETA TERRA, que se pode equiparar, em dimensão e qualidade, a outras iniciativas do género organizadas, por exemplo, nos Estados Unidos ou no Brasil.

Foram convidados
pensadores e cientistas de renome internacional que aderiram de imediato e com grande entusiasmo ao convite.

Num ano de grandes transformações sociais e individuais este evento será certamente único e inesquecível.


É altura de pensar e intervir colectivamente.

20/02/2009

Um lugar que todos querem

Amor à arte, amor à escrita, amor ao teatro... o teu amor feito obra, a tua obra feita espectáculo por todas estas pessoas que lhe dão corpo e vida.
E o meu amor feito admiração e ternura por ti, homem de Maio...

17/02/2009

Meu limão, meu limoeiro...

meu pé de jacarandá,
uma vez tindôlêlê,
outra vez tindôlálá...

Em dias como hoje, quando abro a janela que dá para o quintal chega-me amornado pelo sol o aroma do limoeiro, perfumado e doce... Doce, como não é o seu fruto.
Inspiro-o longamente, sinto-o derramar-se em mim, envolvendo cada célula e, num repente, abrindo portas da memória.
A memória é celular, ensinaram-me.

E lá íamos nós, miúdos, com mil canções debaixo da língua, que a nossa mãe nos ensinava. Vínhamos a cantar desde Lisboa. Não importava se a viagem era curta ou longa, tínhamos esta fórmula mágica: cantávamos sempre porque assim não enjoávamos e o tempo passava mais depressa.

Era ali, naquela curva apertada do Arraçário, onde o carro quase parava para poder contorná-la, que os limoeiros nos esperaram sempre, leais e plácidos, ao longos dos anos.
Vínhamos desde lá de cima com aquela excitação infantil, alegre, ansiosa, e gritávamos “olh’ós limoeiros!”. Abríamos as janelas na descida, inalávamos aquele ar puro, abríamos bem as goelas e lançávamos a nossa cançoneta a plenos pulmões,

Meu limão, meu limoeiro,
meu pé de jacarandá,
uma vez
tindôlêlê,
outra vez tindôlálá...

O nosso pai abrandava a marcha e curvava lentamente, bem mais do que era necessário, para nos prolongar o tempo dos intermináveis encores. E depois ríamos, ríamos muito, todos.
Nunca soube exactamente o que era o tindôlêlê e o tindôlálá, m
as sei que nesses momentos éramos felizes.

30/01/2009

Dores de crescimento

Vivemos momentos complexos. Lemos nos jornais, vemos na televisão, sentimos dentro de nós. E somos apenas nós que, irremediável, incontornável e inexoravelmente, estamos no núcleo de tudo.
Nós, os únicos responsáveis pela forma como a sociedade se estrutura, nós os agentes e refreadores do consumo, nós os predadores e defensores do planeta, nós os geradores das nossas alegrias e sofrimentos, nós os bons e os maus da fita.
A sociedade somos nós. É bom pararmos aqui por um bom bocado e reflectirmos sobre a forma como temos vindo a contribuir individual e colectivamente, ao longo dos anos, para a construção disto que é o mundo à nossa volta, que de uma vez por todas estamos a perceber que nem sequer serve os nossos interesses e necessidades. Este mundo que afinal nos desagrada.
Criámos e nutrimos a nossa obra, mas estamos descrentes dela. Ainda assim, uma parte de nós mantém-se presa nesse padrão que se revela inadequado, pernicioso e involutivo. Vítimas de nós próprios, de hábitos e modelos que construímos com as nossas mãos, e por nos julgarmos agora impotentes no antídoto, cedemos facilmente ao imobilismo e à inércia que advêem de uma enorme onda de desânimo criada por agentes sociais. Aprisionamo-nos numa ratoeira labiríntica e entramos em ansiedade e desespero.

O chocante caso da família Lupoe é um sintoma do desequilíbrio no qual estamos a submergir. Dizem os que se tomam por entendidos, que à medida que isto a que se chama crise global se for instalando (com a alarmante hipótese de o número de desempegados vir a atingir os 50 milhões no final do ano), vai aumentar em números lamentáveis a ocorrência destes casos de desespero existencial.
O que me parece essencial retirar deste exemplo trágico é uma tomada de posição firme que rejeite a multiplicidade do mesmo, ou seja, que substitua o pensamento ou o vaticínio de que este caso é apenas um de muitos que poderão acontecer, pelo pensamento criativo de que este caso é uma chamada de alerta para algo que recusamos como solução, e, como tal, que nos obriga a tomar consciência e trabalhar no sentido inverso. Temos seguramente dentro de nós os recursos necessários para inverter o rumo dos acontecimentos.

Urge confiarmos no nosso poder criativo e transformador. Urge transformar este cenário apocalíptico num cenário regenerador. Urge deixarmos de dar tanto valor a esta onda contagiosa de negativismo, de conflito, de desarmonia, de falta de esperança, que diariamente nos avassala e manipula, entrando-nos pela alma e pela casa adentro. Se nos deixarmos envolver pela perpectiva caótica, abrimos a porta à depressão e à ruptura.
A informação é necessária à mudança, à tomada de consciência do real, mas vale o que vale e apenas lhe podemos dar o crédito da nossa atenção, e nunca cedermos-lhe em poder. O que fazemos com ela é que tem poder, o nosso pensamento tornado acção é que tem poder.

Há alguns anos deixei de ver novelas porque me pareciam todas iguais, portadoras da mesma visão, dos mesmos modelos. Mudavam os actores, os espaços, alteravam-se guiões, mas salvo raríssimas excepções, o conteúdo era idêntico. Se via um episódio por semana ficava a saber o enredo todo, de tal forma era previsível o argumento. Quantas vezes não ouvimos dizer que eram autênticas lavagens ao cérebro, que não edificavam, que embruteciam e mediocrizavam o espírito, que mantinham os espectadores reféns de uma manipulação, de um ópio intelectual?
Lamento, mas é o que sinto face à informação económica, social e política que nos disponibilizam diariamente.
Diariamente somos confrontados com o pior da sociedade, com as situações mais dramáticas e extremas da natureza humana. Diariamente somos ameaçados com e pelo medo, sem qualquer compensação de reforços positivos.
E ao longo dos anos, à força das imagens corrosivas se irem apropriando de nós – a guerra, o terrorismo, o crime, a corrupção, a mentira, a hipocrisia, o oportunismo, e tantos eteceteras mais – deixamo-nos amarfanhar, vamos tornando-nos pequenos e passivos, crentes de que somos vítimas, quando na verdade todos somos cúmplices de alguns algozes.
Ora, o que tem de grande a pequenez? O que ganha o mundo por querermos parecer que somos pequenos? Porque somos paus mandados? Que receceio é este que nos domina e tolhe, que nos faz optar por vivermos escondidos atrás de máscaras, marionetizando-nos, impedindo-nos de sermos a nossa essência, de exercermos a nossa grandeza e unicidade, de sermos construtores activos e positivos de um paradigma superior, de termos força, esperança, crença em nós mesmos? Assim demitimo-nos, demitimo-nos e cedemos o nosso poder.

Há uns dias alguém comentou que a “crise” encerra a sua solução. Se lhe tirarmos o “s” temos o imperativo necessário à mudança: crie.
É a este acto de criação que nos precisamos de colar para transformar esta realidade que nos ensombra. Só que na verdade o que está em causa não é a acção sobre a realidade exterior. O que está em causa é agir criativamente sobre o que deu origem a essa realidade exterior: nós. É por aqui que se faz o recomeço, somos o ponto de partida.
Não há transformações pacíficas. Experimentem inverter o curso de um rio para sentirem a força da tendência, a resistência, a convulsão que se gera.
É por sabermos o esforço e o sofrimento implícito nesta revolução interna que estamos constantemente a adiá-la, adiando também assim a transformação do mundo exterior. Mas essas dores de crescimento são inevitáveis, se é que realmente somos honestos e verdadeiros quando manifestamos o nosso repúdio pelo estado actual do que realizámos e está à vista.
É esta então a questão: somos de facto assim tão honestos e verdadeiros?

23/01/2009

Beijos

Beijos de amor, beijos de amantes, beijos de amiga, beijos de noiva, beijos de homem e de mulher. Beijos de mar, beijos de vento, beijos de rua, beijos que envolvem, beijos que dançam, beijos que voam, beijos sonhadores, beijos coloridos. Beijos alegres, beijos que aquecem, beijos que perdoam, beijos doces, beijos demorados, beijos serenos. Beijos de mãe, beijos de filha, beijos de pai, beijos de irmão, beijos de avó, beijos sem idade. Beijos no cabelos, beijos na mão, beijos no rosto, beijos na boca, beijos no corpo. Beijos de paixão, beijos que arfam, beijos que excitam, beijos que sorvem, beijos quentes, beijos molhados, beijos de fogo, beijos de vida, beijos de macho e de fêmea.
Beijos, beijos, beijos, beijos... beijos meus. Beijo-te de todos os meus beijos, agora teus.

Rua sonâmbula






Poesia de Agnaldo Lima

A tua alma flutua,
e escandalosamente nua invade a rua,
deixando no ar o cheiro dos teus cabelos.
Na sonâmbula rua, que é tão tua,
revejo os momentos passados entre os teus braços e os meus.
O calor dos teus afectos ainda palpita no meu peito,
como se fora tatuagem esculpida por um anónimo deus.
Quais outros braços aconchegam-te
nas noites que já foram nossas?
Quais outros lábios sussurram nos teus ouvidos
os segredos que já te contei?
Vou dormir e sonhar!
Minha alma irá ao teu encontro
e numa esquina qualquer dessa rua que é tão tua,
se fundirá com a tua alma.
E juntos habitaremos a cidade,
fantasmas que somos de um tempo que já passou.

21/01/2009

Sem sintonia

As pessoas às vezes não se entendem. E em cada desentendimento há uma impossibilidade de contacto.

Não entrando em contacto, não se sentem, não se sintonizam na mesma frequência. É um grande fracasso de comunicação.

Muitas vezes vivem na convicção de que comungam os mesmos princípios e valores. E só o tempo e a maturação revelarão que eles, afinal, colidem.

Mas ainda assim, une-as o afecto. E por ele criam o pensamento “milagroso” de que as dificuldades são transponíveis per si, não percebendo que isso ainda dificulta mais uma comunicação efectiva e realista.

Têm consciência da presença de uma certa tristeza causada por essa dificuldade, mas ela é encarada como natural, como se fosse parte integrante do próprio crescimento relacional.

De facto isso é verdade quando a comunicação possibilita-lhes uma interacção e convivência saudáveis, espontâneas, e a tristeza surge ocasionalmente como reacção a obstáculos.

Mas quando a comunicação falha não se geram cumplicidades, a resolução das diferenças é dificultada, a tristeza torna-se permanente.

E assim se instala a ansiedade e a frustração de se estar com alguém que não se sente perto. Que talvez não esteja sequer próximo.

20/01/2009

Com papas e bolos...

Indago-me porque será que em nenhuma tomada de posse falta a promessa "vamos construir estradas, pontes e escolas"...

15/01/2009

A passagem é estreita

Todos os dias vejo a porta quase a fechar-se. Às vezes quase me bate no nariz e seguro-a nas pontas dos dedos. Outras, consigo mantê-la entreaberta com o pé e ir forçando a entrada.

Mas tenho receio que um dia se feche e que nem pelo buraco da fechadura eu consiga entrar.

14/01/2009

Plutão

Instalou-se em Dezembro último e vai ficar sobre nós durante 16 anos. Perdeu em estatuto (já não é considerado planeta, mas um corpo menor, um planeta anão), mas não em força.
A sua influência obriga-nos a ir às profundidades, a fazer emergir o que estiver por resolver (bloqueios, ressentimentos, mágoas...), a curarmo-nos para podermos seguir em frente.
Plutão obriga-nos a morrer e renascer. É destruição, é caos, mas também é motor e impulso criativo.
A sua força regenerativa não vai deixar pedra sobre pedra, mas do caos nasce a ordem.

08/01/2009

Desafectos

Eu estava a falar ao telemóvel, à frente da estante dos livros de psicologia. Já tinha escolhido alguns livros e tinha nas mãos o "Síndroma de Peter Pan". Percebi a presença de um rapaz, que me observava com alguma insistência.
Quando desliguei, ele abordou-me de imediato.
- Desculpe, não quero incomodar mas vejo que pegou no "Síndroma de Peter Pan"...
Imediatamente pensei que era o único exemplar e que eu o tinha retido enquanto tagarelava. E que ele ali, pacientemente, estava à espera que eu desligasse para pedi-lo. Ía estender-lhe o livro, mas ele continuou:
- ... sabe o que é, tenho 29 anos e uma grande dificuldade em relacionar-me, em sociabilizar com mulheres...
Depois de um segundo de espanto, cruzou-me o espírito que ele me tomasse por psicóloga, por ver-me na secção de psicologia. Sorri-lhe.
- Sim, percebo, mas olhe que eu não sou terapeuta...
Num repente, avançou para mim exaltado.
- Eu não quero nenhuma terapeuta! Quero alguém que me oiça, que me compreenda... quero uma namorada com quem conversar, com quem partilhar a vida! Quero uma mulher ao meu lado!
Assustei-me mas tentei reagir com naturalidade.
- Lamento, não posso ajudá-lo.
Peguei nos livros e dirigi-me à caixa. Ele continuou, elevando a voz.
- Não se vá embora! Não faço mal a ninguém, só quero conversar... porque é que ninguém quer falar comigo?!
Já na caixa percebo que uma funcionária o acompanha até à porta. A senhora que me atende diz que "é assim todos os dias, há anos...".
- O que será que pretende encontrar, vindo aqui dia após dia? - pergunto.
E ela sorri.
- Uma namorada...
- Mas sabe se ele tem família, se é acompanhado?
- Sim, tem pais, vive com eles. E até já andou a fazer terapia... Mas parece que não resultou!
Senti angústia. Era tão palpável a fragilidade psíquica provocada pela ausência da experiência amorosa, pela frustração, pela solidão. Por segundos fiz o paralelismo com a solidão de C., que o levou ao suicídio com a mesma idade.
E se um dia ele vier a molestar alguém, na ânsia de ser abraçado? Se se converter numa ameaça nunca saberá o que é viver o amor, encontrar uma mulher com quem partilhar a vida.
Ao sair ainda o vi, de um lado para o outro na rua, balbuciando entristecido.
- Eu só quero uma namorada! Porque é que não consigo ter uma namorada?

04/01/2009

De vassoura em riste

8: O número da matéria. O Logos, o poder criativo do Universo. O equilíbrio dinâmico entre o masculino e o feminino. A existência depois da morte. O infinito. A regeneração. A passagem do que é contingente ao que tem validade eterna.

9: A humanidade. O número de Adão. O número da iniciação: assinala o fim de uma fase de desenvolvimento e o início de outra fase superior. O ilimitado. Os 9 orifícios do corpo humano. Os 9 meses da gravidez.

A ter em conta os simbolistas, parece que temos pela frente uma gestação trabalhosa. Passar do materialismo ao humanismo não é fácil, mas é possível. A ajudar-nos, a consciência regenerativa legada por 2008, e a metáfora de que existem algures por aí 9 contentores onde nos podemos libertar de tudo o que já não nos serve. Só assim se inicia um novo ciclo, deitando fora o lixo do anterior.

Espera-se que seja um ano de intensa actividade doméstica. Boas limpezas e arrumações é o que vos desejo!