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29/12/2008

O espírito da matéria

Não é novidade, mas de ano para ano cada vez o Natal me parece menos celebração e mais frustração, menos espiritualidade e mais materialismo.

E digo isto sem querer melindrar a prata da casa, que faz o possível por recriar no Natal o espírito que lhe é próprio, conferindo-lhe a dimensão religiosa de origem. E vergo-me, grata, a todos que desenvolvem iniciativas que dignificam esta quadro, já que eu, honestamente, gosto de saboreá-las mas a sua confecção não me estimula.

Falava eu de frustração e materialismo.
Há dias, na secção infantil do C.I. fiquei com a sensação de que estava rodeada por um batalhão de formigas desesperadamente à procura de provisões para se garantirem no Inverno.
As listas dos pedidos ao “pai Natal” nas mãos e a expressão de frustração nos rostos, porque muitas coisas já estavam esgotadas.
Alguém comentou em desabafo “meu Deus, se eu não conseguir encontrá-los noutro lado [os presentes], isto para ele nem vai ser Natal!”. Tentei ver o rosto do comentário para ver se percebia qual seria a interpretação correcta a dar à coisa, mas a confusão era grande. Fiquei apenas a pensar nesta tendência crescente de reduzir o Natal a um amontoado de papéis e laçarotes.

Quando eu e os meus irmãos éramos miúdos e acreditávamos no Pai Natal, pedíamos coisas aparentemente impossíveis de se conseguirem, mas os meus pais davam voltas e mais voltas (eu até acho que eles faziam milagres...) e na maior parte das vezes encontravam o que queríamos. Digamos que a taxa de sucesso andava à volta dos 90%, o que para a época era um feito!
Como os nossos mealheiros eram magros, nós é que fazíamos os presentes que dávamos aos pais, aos irmãos, aos tios, à avó, ou juntávamo-nos e comprávamos “a meias” o que era possível... Uma coisa é certa, lembro-me que sempre démos, ainda que simbolicamente.

Dar fazia parte do espírito.

Mas agora uma coisa me parece cada vez mais evidente: o Natal é assim como o 1 de Junho, o dia Mundial das Crianças, só que com mais luzes e ainda mais presentes.
E até me poderia parecer natural que os presentes diminuíssem na proporção em que a idade aumenta e que as crianças sejam as grandes beneficiárias do Natal (até porque a celebração é mesmo essa, o nascimento de Jesus), se eu não estivesse preocupadamente a aperceber-me da falta de reciprocidade, de que cada vez menos as crianças estão a ser estimuladas a dar e a colaborar (contrariamente à vida de dádiva que foi preconizada por Jesus), mas apenas a pedir e a receber.
E isto não é bom.

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