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14/11/2009

O tema do momento

A corrupção entra para ocupar o lugar que o rigor e a ética deixaram vazio, ou porque nunca chegaram a entrar, ou porque saíram e deixaram a porta entreaberta.
Apesar dos meus olhos míopes, vejo que temos permitido essa entreaberta, por incompetência e ignorância. Não sabemos fazer de outra forma e recusamo-nos a aprender a fazer melhor.
Os chavões "Foi só uma vez", "qual é o mal?", "toda a gente faz", sãos servidos em tomas diárias, há anos, desde a nossa mais tenra idade.... E já nos entraram de tal forma pelos ouvidos dentro, que é possível que daqui a algumas gerações (não muitas, porque isto corre rápido) já tenha até sido integrado no ADN. Mesmo agora, provavelmete muitos de nós já nem percebem que desviar 5 euros ou 5 milhões, é igual, ou que corromper a senhora do cartório com 100 euros ou pagar 1 milhão num concurso público para que ganhe a empresa Y, é a mesma coisa. Só difere na quantidade. A devassa, o podre, a incorrecção, estão lá. Infelizmente (mas não deliberadamente, espero), os media passaram-nos a mensagem de que é  pela bitola de personalidade, quantidade e grau que se afere a corrupção.

E se assim é, é mau. Primeiro, porque graus e valores elevados distanciam-nos completamente (a nós, protugueses na baínha) de todos os que praticam corrupção em altas sanefas. E como não nos identificamos com esses, pensamos "Os corruptos são eles", por contrapartida à nossa total idoneidade. 
Segundo, porque essa mesma circunstância impede-nos de observar o nosso próprio parasita corruptivo, que se albergou em nós nos bancos das creches, ou mesmo no primeiro sopro. Mas sem a humildade de um diagnóstico não o identificaremos; o que, em condições favoráveis, permirirá que ele se manifeste.

Não vejo que a corrupção familiar difira da política, da empresarial, da financeira, da futebolística, da farmacêutica, da jurídica. A corrupção é um tumor na mentalidade, na formação do carácter, na consciência cívica, e daí se metastizar brutalmente, atingindo todos os órgãos do nosso corpo governamental, social e cultural, tornando-o exangue, moribundo.


Que fazer então? Que tipo de cuidados paliativos se pode levar a cabo? Seria sempre ideal que os responsáveis autonoma e dignificadamente se revelassem, assumissem, de forma a ganhar tempo, reduzir custos e cortar o mal pela raíz. E também porque isso ao mesmo tempo lhes conferiria algum humanismo, o reconhecer o erro e o compromisso de não reincidência. Mas isso não acontece, a Corrupção traz sempre a irmã mais velha pela mão, a Conivência. E esta tem atributos de erva daninha, a mentira, a omissão, o disfarce, a justificação, a negação, o abuso de autoridade.
É verdadeiramente uma patologia. Uma patologia narcisista e estranhamente dissociativa. Quem a perpetua fá-lo para engrandecimento pessoal, criando ao mesmo tempo a fantasia de que não age incorrectamente e que não há razão para ser posta em causa.

Detecto os primeiros sintomas de corrupção na infância e juventude. Nas chantagens emocionais para obter poder e influência dos pais, por exemplo; nos jogos de cartas de mesa, no Monopólio, um jogo de altas negociações e de golpes baixos; nas vendas de legumes que se simulavam com pedras, carumas, folhas, onde já se manifestava concorrência desleal, sobrevalorização do produto, engano do cliente; nas compras e vendas na Feira da Ladra, onde habitualmente eram os feirantes que levavam a melhor; nas trocas e baldrocas que se faziam com os amigos, com motas, carros, fosse o que fosse. Às vezes perdiam-se amizades e compravam-se outras. Faziam-se vaquinhas com inimigos só para se tramar fulano (habitualmente um pachola sem jeito nenhum para o "negócio"). Os bons e os justiceiros eram parvos, e os que se desenrascavam prejudicando os outros, eram os espertos, os vivaços. O móbil era sempre o mesmo, poder, dinheiro, influência.

A noção de corrupção desenvolve-se pela interacção da pessoa com o mundo que a rodeia. Sem dúvida, todas aquelas experiências são imprescindíveis para o conhecimento da nossa esfera de actuação, não só como instrumentos de protecção e defesa, mas como dados valiosos que orientem as opções que faremos pela vida fora, para que possamos conscientemente avaliar qual é o caminho que queremos seguir e quais as responsabilidades que acarretam.

Mais uma vez, também aqui, a redundância sobre o valor da educação e dos educadores. É primordial, essencial, insubstituível, irrevogável!

Elejo a idoneidade para meu escudo invisível. É uma qualidade conscienciosa e cívica, unificadora da coluna vertebral (vulgo "carácter") e em constante estado de evolução e maturação.
E o meu contributo para o combate à corrupção começa assim, ao levantar. Tal como as vitaminas que tenho que tomar, o auto exame da mama que tenho que fazer, na minha rotina diária entra a avaliação canina da minha idoneidade.

01/11/2009

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