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28/09/2009

Paisagem sem alma

Estou nos escombros de uma linha de 50 metros de cedros decepados.
E se ainda restavam algumas dúvidas, o impacto desse vazio obrigou-me a perceber de uma vez por todas a finitude de um tempo.
Crescemos e morremos com o que nos envolve. Criamos identidades com as coisas, ambientes, paisagens, pessoas, que se vão enfileirando no nosso caminho, que estruturam o nosso ser e constituem a nossa vida.
Por cada objecto que perco, por cada ambiente que se deteriora, por cada paisagem que se desfaz, por cada pessoa que parte, o meu ser morre um bocadinho.
Morre-se assim aos pedaços, até já não haver mais nada para morrer senão esta cápsula que albergou pelo tempo necessário um aparelho de emoções, o mais extraordinário mecanismo que o universo elaborou.
O que é a vida senão uma experiência emocional?


A tristeza nunca é servida em meias doses. E se já me era difícil o dizer adeus à Casa Verde, mais penoso é vê-la mutilada, destituída da visão emblemática, grandiosa, verdejante, que era a parede de majestosos cedros fazendo fronteira com a estrada e resguardando, zelozamente, a sua privacidade.
E por despreparo, na total ausência de aviso ou consentimento, o embate com a sua nudez magoou-me até às entranhas. Revoltou-me ver a sua dignidade ferida de forma tão vil e brutal, sem qualquer pudor.
De repente eu era a casa e os cedros a minha roupa. E ali jazia eu, a minha intimidade devassada, a minha nudez exposta.
Pensei na minha mãe, na sua iniciativa e em todo o trabalho conjunto na plantação daqueles 37 anos de cedros. Que tristeza sentiria, ou sentirá, de algum ponto deste incomensurável comos, ao ver esta paisagem sem alma...

Confronto-me com a minha própria finitude. Com a Casa Verde, mais um pedaço de mim se morreu.

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