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20/06/2010

O quinto vôo da borboleta

A delicadeza de um símbolo em papel, que ele me ofereceu.
Neste dia em que uma borboleta é mais do que um fim de ciclo, ou um bater de asas.
É o quinto ano de um vôo para o eterno, de uma saudade que se faz sempre nova, de memórias que assomam como visões etéreas, quase irreais.
Perceber que já tudo foi, que naquele dia a vida mudou, definitivamente.
Muito, tanto, se perdeu... Nada jamais será a mesma festa, os mesmos risos, os mesmos afectos, a casa cheia, de gente, de lágrimas, de música, de gritos, de vida!
Dessa vida que ela tanto amou, apaixonadamente.

20/06/2009

O quarto vôo da borboleta

Faz hoje 4 anos. Como ela sempre quis, vimo-la partir vestidos de branco, ouvindo música, em festa. A vida para ela foi sempre uma festa, mesmo que acabasse em bebedeira, pancadaria ou solidão, era festa.


As festas às vezes são assim. Vamos para ela enérgicos, cheios de expectativas; voltamos cansados, arrastando as pernas.

Mas isso nunca lhe roubou a alegria, a fúria de viver, a determinação, a concretização dos sonhos.

O que mais me custou depois da sua morte, ao arrumar os seus papéis, agendas, blocos, cadernos, folhas soltas, foi encontrar em todos eles o esqueleto de "projectos a realizar". Livros, cursos, conferências, viagens, espectáculos... A sua mente imaginativa, criativa, abstracta, era ilimitada; a sua perseverança e dinamismo, imparáveis. Acima de tudo, para ela tudo era possível e concretizável. Nunca lhe conheci impeditivos, nem medos de ir em frente. Antes pelo contrário, o único medo que lhe conheci foi o da imobilização. Dizia, quase premonitoriamente, "se algum dia ficar imóvel, incapaz de fazer coisas, prefiro morrer".
E o universo cumpriu a sua vontade.

17/02/2009

Meu limão, meu limoeiro...

meu pé de jacarandá,
uma vez tindôlêlê,
outra vez tindôlálá...

Em dias como hoje, quando abro a janela que dá para o quintal chega-me amornado pelo sol o aroma do limoeiro, perfumado e doce... Doce, como não é o seu fruto.
Inspiro-o longamente, sinto-o derramar-se em mim, envolvendo cada célula e, num repente, abrindo portas da memória.
A memória é celular, ensinaram-me.

E lá íamos nós, miúdos, com mil canções debaixo da língua, que a nossa mãe nos ensinava. Vínhamos a cantar desde Lisboa. Não importava se a viagem era curta ou longa, tínhamos esta fórmula mágica: cantávamos sempre porque assim não enjoávamos e o tempo passava mais depressa.

Era ali, naquela curva apertada do Arraçário, onde o carro quase parava para poder contorná-la, que os limoeiros nos esperaram sempre, leais e plácidos, ao longos dos anos.
Vínhamos desde lá de cima com aquela excitação infantil, alegre, ansiosa, e gritávamos “olh’ós limoeiros!”. Abríamos as janelas na descida, inalávamos aquele ar puro, abríamos bem as goelas e lançávamos a nossa cançoneta a plenos pulmões,

Meu limão, meu limoeiro,
meu pé de jacarandá,
uma vez
tindôlêlê,
outra vez tindôlálá...

O nosso pai abrandava a marcha e curvava lentamente, bem mais do que era necessário, para nos prolongar o tempo dos intermináveis encores. E depois ríamos, ríamos muito, todos.
Nunca soube exactamente o que era o tindôlêlê e o tindôlálá, m
as sei que nesses momentos éramos felizes.

19/12/2008

Em dó maior

Estava apenas a ver um filme, o "Elefante". Algo que ultrapassa a minha incompreensão, este gene da loucura que leva dois jovens munidos de armas a entrarem na escola e matarem quem encontram pela frente. Seria tão mais fácil entender essa crueldade se a justificasse pela ausência total de sensibilidade...

Só que antes, um deles toca piano. Quem aprende a tocar piano insensivelmente?

E as duas músicas que toca fazem-me chorar. As minhas lágrimas correm em silêncio para não perturbarem o aflorar das memórias que aqueles sons me trazem. Saudades de mim. Saudades dela.

E de novo eu estava ali, aos 12 anos, com o meu robe cor-de-rosa almofadado, sentada ao piano, as mãos a deslizarem pelo teclado. E a minha mãe ao meu lado, apontando-me com o bico do lápis as notas na partitura.
"Für Elise". Tocava-a melhor nessa idade do que hoje. Na verdade, hoje só a toco pelos sentidos, pela memória; as minhas mãos há muito que a esqueceram.

Saudade de mim, disse eu. Na verdade não sei se é de mim. Talvez seja apenas das possibilidades que eu tinha nessa altura, do potencial que a vida parecia oferecer. Aquilo em que investi durante anos desvaneceu-se. O piano, o violoncelo, o bailado... Fazemos opções numa idade em que não temos maturidade sequer para opinar, julgando que incessantemente a vida nos vai presentear com inúmeras e melhores possibilidades.

Saudade dela sim. Da forma como emocionava o meu coração juvenil quando tocava; como me inundava com a melancolia e o pesar do "Noturno" de Chopin. Gostava tanto de me deixar hipnotizar pelos seus dedos volteando, demorando-se sobre o teclado...
Seis horas por dia, dizia, era o que o meu avô a obrigava a praticar. E eu pensava "nunca vou ser capaz de estar seis horas por dia a fazer o que quer que seja". Mas estive sim, bem mais do que isso, durante anos, a fazer coisas para as quais já não me sinto talhada, que apenas me despertam enfado.

Saudade, da oportunidade que tive para gravá-la enquanto tocava, para ficar com essa recordação materializada. Tantas horas de trabalho, tantas horas de escuta, e nem um único segundo registei... Quantas e quantas vezes quis ter à mão uma cassete, um CD, que me trouxessem de volta esses sons, me fizessem reviver esses momentos.

Não pensei que pudessem chegar-me pelas mãos de um assassino, ainda que ficcionado.
Mas as memórias não escolhem, abrem caminhos.
Talvez um dia me cheguem, vivas, pelas mãos do divino.

20/06/2008

O dia em que a borboleta voou

Faz hoje três anos. O meu irmão chegou junto de nós e lemos-lhe o olhar. Abraçámo-nos os quatro em círculo e ele disse com um sorriso triste mas tranquilo "A borboleta já voou". Foi o último a estar com ela.
Ali, naquela maca do S.O., ela esperou o seu bem amado, o mais novo, o único rapaz, e na sacralidade da pequena intimidade que tanto pedimos e que as circunstâncias permitiram, foi ele quem a ajudou e a viu partir.
Guardo desse momento uma lembrança de alívio, de justiça, de bonomia. Nunca me revoltei com a sua morte. Antes pelo contrário, considerei-a uma benção. O que me revoltou foi o seu sofrimento, a forma como foi descurada nos últimos dias (coincidentes com um fim-de-semana), sem ter sido monitorizada 24 sobre 24 horas, como seria de esperar. Era doente cardíaca e apesar de estar a ser minada por metástases, o que a matou foi um enfarte.
Digo, com a comoção e a apreensão do que sei que motiva um ser nos seus momentos terminais, que a morte pelo coração foi o seu derradeiro acto de Amor. Foi esse acto de amor que lhe permitiu ser transferida de uma enfermaria tumultuosa para o S.O., onde a sua morte não foi espectáculo, nem prato cheio para voyeuristas, mas antes pelo contrário, onde pôde partir com a dignidade, a privacidade e a sacralidade que merecia e que nos era a todos tão cara.
Há três noites sonhei com ela e percebi que este ciclo terminou. Alcançou o inatingível.
Para sempre, a eternidade.

07/02/2008

Uma vida com música

Não passou pela minha caixa de correio, mas soube que anda a circular pela net uma petição Contra o Fim do Ensino Especializado da Música em Portugal.
Eis uma matéria que me toca de maneira particular, não apenas pelos anos de aprendizagem musical que tive, ou por fazer parte da minha cultura familiar, mas sobretudo pela grande dedicação e enorme contribuição da minha mãe ao ensino da música em Portugal, durante todo o seu percurso profissional. Quem a conheceu sabe bem do que falo. Enquanto professora e agente de mudança foi, sem dúvida, uma grande impulsionadora de uma pedagogia de ensino integradora e inovadora, defendendo a arte, e em particular a música, como alicerce da formação do carácter, factor de estabilização emocional e de desenvoltura cognitiva. Eu não saberia agora enumerar a quantidade de idas ao ministério da educação e de propostas que, ao longo dos anos, apresentou a diferentes responsáveis, com o objectivo de incluir as expressões artísticas como disciplinas curriculares nos programas de ensino, de forma sistemática e irrevogável. Nem saberia dizer quantos professores, educadoras de infância e alunos por este país fora, foram bafejados pelo seu toque de Midas.
Decerto muitas crianças, hoje adultas, a lembrarão. Foi ela que, em 1 de Junho de 1975, no 1º Dia Mundial da Criança celebrado em Portugal, levou a festa às crianças no anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian; que uns anos depois, em 78, acompanhou a Ana Rita, a primeira participante portuguesa no festival da canção da Unicef; que, com os seus alunos, animou muitas crianças no “Natal dos Hospitais”; que, no início dos anos 80, organizou na Biblioteca Nacional, em Lisboa, a primeira exposição de instrumentos musicais construídos pelos seus alunos com material de desperdício (na época ainda não se falava do aproveitamento de material reciclável).
Decerto ainda hoje, miúdos e graúdos a evocam diariamente nas salas de aulas, através dos livros de jogos, danças e canções, que elaborou com tanto afecto e empenho. Alegra-me sabê-la assim festejada!
Por isso não poderia ficar indiferente a este ameaçador acabar do ensino especializado da música, seja a que instâncias for. E com ou sem legitimidade, vos peço que repensem este tema se a dita petição vos cair na caixa de correio.

30/01/2008

O destino andava de barco

Faz hoje 50 anos, conheceram-se; faz hoje 49 anos, casaram-se. Os meus pais. Também há muito, muito tempo, o “DN Jovem” premiou-me pelo texto onde falei desse encontro, dessa história de amor a bordo de um navio, fruto de uma grande conspiração do universo! Não tenho dúvidas de que este seria um argumento perfeito para um filme perspectivado na força transpessoal que nos conduz. Perco-me por vezes a fantasiar sobre as inúmeras coincidências que concorreram para que estas duas almas, uma portuguesa, a outra brasileira, se cruzassem naquele navio e encontrassem na Argentina o pano de fundo do romance das suas vidas. A minha mãe adorava a sua terra, a sua casa, a sua família. Não imaginava, jamais, que as pudesse deixar. Não, pelo menos, naquela época, em que o nosso Portugal, num estado de depressão neurótica pardacenta, onde a alegria era apenas uma palavra no dicionário, contrastava com aquele Brasil colorido e musicado, onde as senhoras já fumavam e andavam de calças compridas. Mas assim foi. E aqui lhes rendo esta pequena homenagem, a ele que decidiu ainda aqui ficar e a ela, que partiu, pela sua febre de voar. Um dia já escrevi, frágil não é quem parte buscando no porvir a sua liberdade; frágil é quem fica, lembrando o ausente em apertos de saudade.