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09/10/2011

Ensaio sobre o amor

O amor existe em todo o lado e espera apenas ser encontrado e vivenciado. Ele manifesta-se de várias formas, esconde-se, espreita, dá-se a conhecer, avança, recua, às vezes exaspera, desespera, confunde. Todos nós o procuramos, pelas mais diferentes vias. Mas conseguiremos sempre reconhecê-lo e aceitá-lo? Estaremos sempre disponíveis para ele?
Cremos que sim. Mas quando esse ideal que tanto nos seduz se materializa no campo da relação interpessoal, tudo se modifica.
Ensinaram-nos que o oposto do amor é o ódio. Mas o oposto do amor é o medo. Este medo que tolhe e nos impede de evoluir.
O amor é uma energia muito forte, que tanto assusta, como fascina. Quando ele se instala quer-nos absorver por inteiro. E aí surge o medo da entrega que ele exige, dessa entrega tão grande que parece não caber no nosso peito, que nos faz imensamente felizes mas que também é um prenúncio de dor.
E os nossos mecanismos de defesa disparam imediatamente. Às vezes julgamos que nos irá aprisionar fazendo com que percamos a nossa liberdade; outras vezes criamos a ilusão de que é apenas um sentimento sem consequências; outras ainda, rejeitamo-lo porque o conotamos com dependência de afecto; e há quem chegue a recusá-lo, por ver nele o ponto de encontro de almas carentes e necessitadas, em busca de um elixir terapêutico. Crenças baseadas no medo.
O medo é fruto da actividade racional e da insegurança. Mas a partir do momento em que se instala, o amor está em maus lençóis: vai ser questionado, dissecado, posto em causa. Há esta necessidade, imposta pela formação cartesiana, de sobrepormos o cerebral ao sentimental, que nos fecha numa zona de conforto onde o desconhecido, por mais benéfico que possa ser, tem muita dificuldade em entrar antes de passar por todos os nossos sistemas internos de prevenção.
Mas também temos um lado intuitivo e mágico, que gosta de acreditar na versão divina de que o amor nunca se questiona: ele É, simplesmente. E é benigno, pacífico, transformador. Mas tal como nós, seres divididos entre o celestial e o terreno, o amor também tem o seu lado humano, com laivos de imperfeição, inquietude e desequilíbrio. Na verdade, nada do que é transformador é pacífico. As grandes mudanças são sempre alcançadas através do atrito da dualidade.
Crescemos a considerar que o amor, per si, é sério, responsável, perfeito, e sabe sempre qual é o melhor caminho.
Mas, e se ele para chegar à perfeição tenha, tal como nós, que se ir debatendo, pacificando, elevando? Talvez o amor não seja uma energia perfeita, mas que se aperfeiçoa através de nós. Tal como nós podemos aperfeiçoar-nos através dele.

13/07/2009

Dias felizes

Decidiram ir morar juntos porque era-lhes insuportável continuar a acordar todos os dias longe um do outro.

Queriam despertar e testemunhar a luz matinal em simultâneo e com o mesmo olhar. Achavam que q
uando as pessoas moram separadas, não vêem as coisas de forma idêntica. E mesmo que mais tarde falem sobre o mesmo assunto, o facto é que o momento virginal já passou e foi vivido de forma desigual; perdeu-se a magia da união de sensações. Decididamente, não é a mesma coisa!

Queriam olhar um para o outro e enternecerem-se com as caras ensonadas e marcadas pela pressão nas almofadas, os cabelos naturalmente em desalinho, os pijamas amarrotados (às vezes descosidos), e com todas essas pequenas coisas simplesmente rotineiras (ou simplesmente maravilhosas?) que fazem o acordar diário para a vida.

Queriam começar o dia com muita energia positiva, trocar carícias e repetir vezes sem conta o quanto se amavam e precisavam um do outro, e quão boa era essa cumplicidade e dependência!

Queriam de mãos dadas agradecer a Deus, todos os dias, profunda e sentidamente, a Graça de os ter cruzado no mesmo caminho e de ter permitido que se encantassem imediata e mutuamente, como verdadeiras almas gémeas.

Queriam também agradecer um ao outro a perseverança da insatisfação, da procura e da espera, pois se conformadamente tivessem desistido nunca teriam tido a ventura desse encontro.

E apesar do passado escrito em cada um, conseguiram manter a candura de sentimentos e os seus corpos imaculados para o amor que se tinham prometido.

Sempre acreditaram que a sua união foi talhada no céu, nesse céu que é a esperança escondida no peito de quem espera e conhece intimamente o poder mágico de um sonho guardado.

Descobriram que afinal é possível dar-se integralmente e mesmo assim viver em plenitude.
Este era agora o tempo deles e eles iriam sorvê-lo.

26/06/2008

A caixa de Joel

Sei que houve andorinhas que contrariamente à sua natureza, começaram a voar sem formação. Fazia muito calor. Tudo estava em mudança e os bichos desnortearam, coitados. Parece que os seus sensores deixaram de estar em sintonia com as estações. Os seus vôos tornaram-se rasteiros e circulares. Os ninhos, tantas vezes construídos nos alpendres, desapareceram. Alguns foram vistos próximos de lixeiras. O ar era denso demais e as andorinhas já não conseguiam voar alto, nem longe, para ir buscar raminhos e ervas.Também já quase não os havia, essa é que era a verdade.

Tinha havido um senhor que disse que infelizmente isto ía acontecer. Também falou de outras espécies que íam acabar por desaparecer. Até de nós, pessoas. Que um dia não teríamos sombra para nos abrigarmos, nem água para nos tirar a sede, que os rios íam secar, as planícies desertificar, o gelo derreter... E mais uma série de coisas pouco animadoras...

Uns levaram isso a sério, outros, menos. Os que tiveram medo que isso pudesse ser verdade, disseram "não acreditamos em bruxas, mas que as há, há!", e foram agindo para evitar toda aquela desgraça. Os outros, que eram mesmo muitos, não se preocupavam com o assunto e às vezes até faziam coisas graves sem pensar. Se calhar achavam que já cá não haviam de estar, ou que quem cá estivesse que se preocupasse, que não era por causa deles que o mal haveria de acontecer. Não sei bem, não faço ideia o que pensavam.

Sei que havia pessoas que não separavam o lixo, outras que deixavam carregadores ligados quando não estavam a carregar, e que também deixavam a televisão com uma luzinha sem a desligarem no botão. Também sei de muita gente que tomava banho e deixava a água correr, correr..., mesmo quando não precisavam. Havia mais negligências, eu sei, muitas mais! O avô Joel deixou-me tudo escrito. Mas se estes pequenos actos eram tão complicados de evitar, posso imaginar como deve ter sido difícil lidar com os grandes!

Mas a certa altura compreendeu-se que era mesmo preciso ajudar e pensar nas coisas a sério e isso foi o suficiente para evitar muitas desgraças!

O meu avô deixou-me uma caixa com o nome "Caixa de Joel", onde pôs fotografias, recortes e mais informação sobre animais e plantas que não foi mesmo possível salvar e que deixaram de existir. Mas o que eu queria mesmo era tê-los conhecido de verdade! Ele disse-me que há muito tempo, também houve um senhor que soube que ía acontecer uma catástrofe parecida e guardou muitos animais numa Arca, para que os netos pudessem vir a conhecê-los.

Mas o meu avô não conseguiu...

06/03/2008

Se ….

eu fosse política por um dia,
faria da minha voz a voz reverberante e gritaria de uma vez por todas a sumidade que sou. E falaria, alto, cheio, agudo, estridente, até me incharem os pulmões, me rasgarem as cordas e o meu sopro se confundir com a atmosfera de K2O+, ainda por descobrir. Mandaria lamber as minhas feridas e as dos outros, todas, para purgar a dor dos pasmados e exorcizar o mundo. Traria a verdade em primeira mão para clarear os olhos da cegueira viciada, da indiferença entranhada, da má herança acumulada.
Deceparia com o olhar as mãos dos opositores, que impedem mudanças e rejeitam verdades. E estrebucharia, estrebucharia muito, se me quisessem agarrar para me porem mordaças ou coletes de força. Faria tudo para ser A diferença, de ego inflado, saliente, digna de extásicos Ah!’s, de olhares gulosos, de histórias alvoroçadas, de discursos elaborados, de palavras aduladas, mas sobretudo de uma douta e elevadíssima adjectivação de eminência parda. Utilizaria a mentira como verdade, a omissão como ofício, a autocracia como bandeira e inscreveria nela "Sou O Umbigo do Mundo!". E assim dominaria este pequeno reino micro-encefálico de liliputianos.

18/02/2008

Pensando bem...

A escrita assim é o lugar dos meus despojos. Sempre que sinto esta emergência nauseada de escrever, sei que não estou tranquila. Porque é a tristeza que leva a reboque os meus dedos sobre o teclado, obrigando-os a macular folhas brancas com traduções dos meus vazios. Na escrita reflicto o meu corpo de dor.
Durante muito tempo a minha tristeza escreveu-se em mil poemas e textos. Pouco resta. Anos passados, deitei fora muitas gatafunhadas por me trazerem de volta memórias que não me faziam falta, emoções que me causavam repulsa e situações com as quais já não me identificava. Depois serenei.
De novo esta necessidade, em certa medida injusta, é verdadeira. Reacendeu-se. Quase por osmose, assim foi.
Lembro-me de uma vez me terem dito a escrita não é só luta, é alegria também.
Por isso fico por aqui. Não quero dar alento ao desalento.
Vou perder-me por aí um bocado a ver se me encontro.
Volto num dia de sol, é melhor...