As palavras essenciais e justas que gostaria de escrever estão de tal forma enterradas na minha limitação que nem lhes consigo chegar. Sigo pelas figuras de estilo, as comparações, as imagens, as metáforas, pelo recurso a esta redundância humana de buscar pelo lado de fora uma tradução dos estados de alma. Um estar do avesso.
Sinto uma dor magoada como se tivesse sido alvejada, como se tivessem disparado um tiro certeiro no meu coração e a bala ficasse alojada numa zona de fronteira entre a morte e a esperança de vida presa por um fio. E esta parece ser uma situação deveras dolorosa, a incerteza da permanência do lado de cá e a possibilidade de uma passagem para o outro lado.
Mas é um desafio. Há um coração que teima em bater, em vibrar, em mostrar que tem força e dignidade para ir à luta. E aquele objecto dual, estranho, desconfortável, ali alojado, não pode ser subestimado. Há um prenúncio de vida nele, mais do que de morte. O coração tem que cuidá-lo, acomodá-lo, para que se mantenha no mesmo lugar. Um batimento mais forte, e poderá deslocar-se fatalmente; uma vibração a mais, e o fio de vida poderá partir-se. E o coração, sabendo ser este o caminho a seguir, a busca do equilíbrio entre forças primordiais aparentemente antagónicas, recolhe-se em silêncio trabalhando na alquimia. E corajoso, seguro do Amor que o anima e que só ele sabe sentir, confia que no tempo necessário, tal como uma impureza dentro de uma ostra, a bala nele alojada se transformará em pérola.