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06/04/2008

Gatarela

O gato empoleirado no muro preguiça solarengo. A cabeça erguida em direcção ao rio, os olhos semicerrados pela luz, rrrooommm. Olho-o fixamente, centro-o no meu pensamento, chamo-lhe a atenção. Ele vira a cabeça e fita-me. Ficamos assim os dois parados neste sossego, entre o óbvio e a incompreensão. Há um merge; ele entra no meu mundo e eu no dele. Ele humano, eu felina. Comunicamos assim sobre o irreal de ambos os universos. Ele agora tem braços compridos que estende em direcção a mim, envolvendo-me num aconchego peludo. Involuntariamente sinto a minha língua áspera a passar pelos meus bigodes. Não falo, ronrono. Gozo a metamorfose, arqueio-me e estico-me prazeirosa. Sinto o movimento e a leveza de cada vértebra a ocupar o seu lugar. Ele passa as garras pelo meu dorso, pela minha cabeça, sussurrando pch, pch, pch. Eu oiço peixe, peixe, peixe... As minhas narinas gulosas sentem esse aroma no ar... alguém está a grelhar o meu almoço, rroommm... De repente, um grito infantil, estridente! Os braços felinos encolhem-se no retomar da sua forma original; a minha língua amacia, o meu ronronar faz-se suspiro. Tique taque, tique taque, neste universo há horas para tudo. Ao meio-dia tudo volta ao seu lugar.

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