Páginas

10/04/2008

Em infracção biológica

Não há palavras que me animem quando sou confrontada com a minha desimportância. Ou, num contexto mais objectivo, quando sou excluída por ser infractora e não ter cumprido a minha natureza. Um dos comentários parentais que mais me marcaram foi o de que eu não era alvo da mesma atenção e número de visitas que os meus irmãos, "porque eu não tinha filhos". De igual modo, diversas vezes deixei de ser convidada para programas, passeios, festas, onde a condição de acesso era a prole. "Desculpa, mas adultos sem filhos não entram...". Se eu era chegada aos pais, fosse por que laços fossem, se sentia afecto pelas crianças, isso não contava. A minha presença no grupo teria que ser justificada, não pela afectividade, mas pela prole, caso contrário eu estaria a mais, seria um incómodo...
(Em certas circunstâncias cheguei mesmo a pensar pedir emprestada uma criança a alguém, porque assim estaria garantida a minha validação, o meu acesso a toda uma panóplia de entretenimentos infantis, bolos e balões.)
Pelo que oiço das minhas amigas também em infracção biológica e igualmente desimportantes, este cenário parece que se vai repetir até à eternidade. Não ganhámos valor nem qualquer direito a entrar pela porta da frente no pedo-mundo, pelo facto de já termos perdido horas de sono, sossego e paciência com sobrinhos verdadeiros e postiços...

Por isso se calhar o meu papel não é esse, não é o de ser importante, é o de ter utilidade. Seguindo o princípio da física quântica que diz que um objecto só existe quando olhamos para ele, começo a acreditar que eu também só existo quando sou útil. Mas no meu quotidiano de inutilidade, não sou tida nem achada.
Talvez seja esse o meu maior defeito, a disponibilidade. Estou quando é preciso. Se eu fosse um número, seria o 112; uma sigla, SOS. Como pessoa, sou idiota. Mas às vezes canso-me.

8 comentários:

Alba disse...

Isso é tão verdadeiro! E eu, cada vez mais, acho que as mulheres que têm filhos desenham uma roda invisível, com muitas senhas e sinais de reconhecimento, da qual estarei sempre excluída.

redjan disse...

Navegadora: idiota ? nop ... nada mesmo. Escreves, e bem, sobre um descaminho que fazes com uma virtude rara: ser-se e viver-se como se ... é ! No kids ... ? So what ? Serás, enquanto rara adulta pensante, bem mais útil à nossa sociedade infantil, que muita mãezinha e paizinho que o são porque tiraram a senha ao casar!
Tenho dois filhos de duas ex ... frequento alguns sitios de ' prole card required ', se um dia te apetecer levo-te e dividimos o trabalho e atenção .... deal ?

Tx 4 yr visit @ ' ideias ' , há por lá sempre café à tua espera. Pode-se fumar e ... no kids required !! ;-)

Unknown disse...

Não tenho filhos por opção nuca me excluíram de nada, também lugares com miúdos e paizinhos sinceramente não fazem mínimamente os meus interesses não frequento porque os motivos e objectivos de vida nada têm a ver comigo,e miúdos á minha volta já me chega na família são 11sobrinhos de todas as idades, sempre a pedirem para tomar conta deles o que sempre fiz da melhor vontade porque curto os putos mesmo!! portanto nunca senti isso nem em familia nem em sociedade, pelo contrário, ponho-os logo no lugar deles, eles é que os fizeram tomem conta, obrigação é deles, abusos não admito... mostro logo o VERMELHO... mas cobram a toda a hora ajudas ou filhos... hehhhh para a mulher não existe dificuldade só não tem quem não quiser a menos que haja impedimento de saúde. Estou tão feliz assim!! A vida deles é que nunca trocaria pela minha... Acho é que essa história do SOS socorro de emergência é mal comum, aí sim comigo é o mesmo...mas só se tu deixares, apartir do momento que lhes mostres que a tua vida está em primeiro lugar... vais ver como te recebem...Curtir mesmo então como é que é? Eles é que não podem têm responsabilidades pk são os paizinhos têm os rebentinhos mas estão sempre em ansias para os largar com o primeiro disponível... aí não... Pois, pois paizinhos da treta... Só fachada porque no fundo queriam é ter a tua vida para poder fazer o que lhes apetece isso é que os lixa...Mete mas é um travão nisso, e vamos ver quem é a idiota aqui... Pensa o casamento e filhos é garantia de felicidade?? Olha á tua volta??Curte a vida e tchauzinho para eles vais ver como te recebem!!
Beijinhos

Doramar disse...

Alba, pensando bem talvez essa roda invisível esteja dos dois lados. A Zeza tocou nesse ponto, sob outro prisma. De alguma forma aquilo que nos "exclui" é o mesmo que "exclui" os pais num outro contexto, que é o da liberdade de acção. E é verdade Z., as pessoas só vão até onde as deixamos ir!

JJ- Estou tentada a aceitar o desafio até porque te devo uma de "baby-sitting", remember?
Aahh... Pois é :-)

Unknown disse...

Motivos para não se ter filhos podem ser infinitos, e saúde pode ser da parte do homem ou da mulher embora hoje em dia um bom acompanhamento médico contorne e resolva mesmo o problema...
A mim o que me irrita solenemente é a sociedade estigmatizar as pessoas pela idade, estado civil ou número de filhos...coisa mais absurda que se pode imaginar e que não deve ser 'alimentada'.
No meu caso a vida que tenho não me permitiu ter filhos era completamente impossível com a minha vida profissional...
Para mim ter filhos, mal comparando é como ter um 'animal de estimação' ou se tem realmente condições ou não se tem.
'eles fizeram-nos tomem conta deles' 100% de ACORDO com a extraordinária análise da Zeza!!
Esse é o grande mal da sociedade, o que se constacta é os meninos crescerem nos Avós, tios, baby-sitter, frente á tv e pc e nos sem número de actividades que os ocupem para que os pais possam trabalhar e outros afins que todos sabemos que a maioria faz mas fingimos não saber...
Já basta o risco de divórcio que acontece a cada minuto e que vai obrigar a criança a andar de um lado para o outro ter de se habituar á formação de novas famílias...imagiem o que será para a cabeça duma criança ver-se com pais a dobrar e irmãos a triplicar...A confusão..alguém pensa nisto?
Só agora posso organizar a vida profissional de forma a reunir as condições ideiais para ter um filho o que até agora não tinha sido possivel, queremos estar totalmente disponiveis para acompanhar o meu filho, queremos ser nós a dar-lhe educação e não os outros.Se os exames médicos continuarem em perfeitas condições espero o meu filho/a aos 50 anos!!

Doramar disse...

Concordo contigo, essa estigmatização é palpável a vários níveis e temos que impedi-la de crescer.
Admiro a vossa decisão. E na verdade, apesar de alguns condicionalismos, cada vez é mais frequente a maternidade aos quarentas...

Anónimo disse...

O melhor estado civil é o de solteiro!!
Se soubesse o que sei hoje...nunca tinha tido filhos cedo e a tratar toda a vida de Pai doente...
Não sei o que é ter gozado a juventude e seus sonhos, nem sonhar quanto mais vive-los...
Os anos perdidos ninguém mos devolve... Digo todos os dias á minhafilha :
Não te cases nem tenhas filhos sem gozares a vida, primeiro,tens tempo, aproveita bem, porque a juventude não volta, depois logo pensas viver com alguém e ter filhos ou casares se quiseres companhia para a velhice.Quanta gente casa e depois por fatalidades fica só na altura que mais precisa de companhia...
Não invejo nada a ninguém só da vida dos solteiros!!!

A indecisa disse...

Todos somos importantes para alguém.
A utilidade também faz da pessoa uma pessoa importante não necessariamente do ponto de vista exterior mas essencialmente interior. Sentimo-nos bem sendo uteis, sentimo-nos importantes.


"Cada um que passa em nossa vida passa sozinho...
Porque cada pessoa é única para nós, e nenhuma substitui a outra.
Cada um que passa em nossa vida passa sozinho, mas não vai só...
Levam um pouco de nós mesmos
e nos deixam um pouco de si mesmos.
Há os que levam muito,
mas não há os que não levam nada.
Há os que deixam muito,
mas não há os que não deixam nada.
Esta é a mais bela realidade da vida...
A prova tremenda de que cada um é importante
e que ninguém se aproxima do outro por acaso... "

Antoine de Saint-Exupéry

Beijos