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29/03/2008

Um dia no meio dos outros

Andava assim há uns tempos, vazia, triste, com aquele sentimento de desatino que nem se sabe de onde vem, de quem anda num labirinto à procura da ponta do fio para se salvar. No trabalho as horas gastas em quesílias faziam-se imensas e enfadonhas. E já nem lhe interessava consertar fosse o que fosse. Os dias arrastavam-se nesse descontentamento sem fim.
Perguntava-se onde iria buscar forças para voltar ali ainda mais uma, duas, três vezes... "só deus sabe!". Quando sentia ansiedade ausentava-se em pensamentos por ele. Refugiava-se na força do seu abraço e na maciez da sua pele. Sentia-lhe o calor, o perfume, o hálito próximo e serenava.
Naquela manhã saiu depressa, angustiada e impaciente com as horas e com o que teria pela frente, abreviando o habitual beijo e o abraço demorado da despedida, que tanta falta lhes fazia.
Sentia o coração aos pulos, a cabeça a zunir, fruto da ansiedade e de noites mal dormidas. Conduzia rapidamente,"um dia estampo-me para aqui e vou-me que nem uma estúpida!". Receou, reduziu. Voltou a acelerar, "mas não há-de ser hoje".
Estava ansiosa para ver o final à manhã. Felizmente a tensão que estava no ar não se materializou. Tratou de tudo para sair a horas. De tarde não iria trabalhar, tinha um encontro com uma agente imobiliária para vender a casa e uma entrevista de trabalho.
Havia alguma coisa em si que palpitava, uma esperança, uma expectativa de transformação. Na Primavera tudo se renova. Num rasgo de clarividência pressentiu uma mudança na sua vida e isso deu-lhe um novo fôlego, um novo ânimo.
Sentiu uma empatia natural com a senhora da agência. Conversaram durante quase uma hora. Gostou do seu humanismo, da sua integridade e sentido de ética, e ficou contente por lhe poder proporcionar a venda da casa. Sentiu interiormente aquela satisfação que é indicadora de uma decisão tomada acertadamente.
Apanhou um táxi para chegar a horas à entrevista. Estranhamente sentiu-se muito serena, sem qualquer necessidade egóica de causar boa impressão ou de se afirmar. "Tenho que ser eu apenas". O simples facto de ir a uma entrevista de repente adquiriu uma importância fundamental para a sua auto-estima e sensação de validade profissional. A conversa decorreu com simplicidade, cordial e despretensiosa, e essa tranquilidade fez-lhe bem.
Apercebeu-se de que os acontecimentos da tarde tinham dissipado as angústias da manhã. Estava mais leve. Teve saudades dele e telefonou-lhe alegre, precisava ouvi-lo, queria estar com ele, dar-lhe o abraço apertado e o beijo que estavam em dívida desde a manhã. "Sim, daqui a bocado saio. Tenho que fazer umas compras e preparar as coisas antes do meu filho chegar. Mas vai ter comigo, vamos aproveitar este fim de tarde na esplanada".
Que bem que lhe ía saber acabar assim o dia! Poderia também ajudá-lo a preparar a casa e o jantar para receber o pequenote. Gostava de se incluir assim, verdadeiramente, na metade de tudo.
Tinha ainda que ir rapidamente levantar-lhe uns exames e para não se atrasar, desejosa que estava por esse encontro de fim de tarde, correu pelas ruas, sorridente, gaiata, feliz!

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