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21/04/2010

Em lado nenhum

Quando eu era pequena tinha a capacidade natural de me ausentar do corpo se me sentia infeliz, ou se a vida não me estava a agradar. Deitava-me na cama, fechava os olhos e começava a observar-me respirar, como espectadora. Depois acontecia o clique, que eu não consigo explicar como era: observadora e observada separavam-se e lá estava eu do lado de fora, a ver o meu corpo deitado. Ficava ali a pairar numa outra dimensão e sentia-me tão serena! Pensava, 'já não é nada comigo, eu estou aqui, sossegada. Ali em baixo não sou eu, é outra coisa, uma cápsula'. Era assim que eu suportava a vida real, eu sabia que havia um outro lado.
Depois, também já não sei como, regressava a mim. Não adiantava não querer voltar; nesse movimento de retorno eu não tinha qualquer intervenção, quisesse ou não quisesse, eu era atraída em espiral para meu corpo.
Isso para mim era um processo natural e só muito mais tarde vim a saber que tem o nome de “saída de corpo” e que (porque os cientistas não o sabem explicar) é considerado um fenómeno paranormal (vulgo fantasioso, irreal e quiçá psicótico). Mas isso agora pouco interessa.


Tenho pena que agora já não se passe dessa maneira, que eu já não consiga evadir-me voluntariamente quando a vida me magoa e que, apesar do combate que lhe faço, a formação cartesiana ainda tenha o poder de sabotar processos intuitivos e naturais. Eu era mais feliz quando ficava a pairar, ou quando fazia viagens interestelares e me comunicava com seres superiores que me liam a alma, sabiam quem eu sou e me enchiam de uma energia muito forte chamada Amor. Eu tinha os canais abertos, sentia-me parte integrante do cosmos, sabia o meu verdadeiro nome, entrava na essência do meu ser.
Temo que seja um processo sem retorno, que tenha perdido a conexão, que a maturidade seja um lugar sem magia. Temo que nunca mais me volte a encontrar.

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