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10/11/2010

Este país não é para crises

Uma das razões porque me mantive calada nos últimos meses – e dou-me conta disso agora – foi para observar a movimentação disto a que chamam crise e tentar perceber se o melhor é ficar quietinha e ver o copo meio vazio, ou seguir a visão do copo meio cheio.
Opto pela segunda e digo-vos, não acredito na crise; pelo menos, não nesta com que nos querem contaminar e muito menos nos moldes em que a (des)informação passa. A crise que realmente me assustou foi a que decorreu nos últimos 20 anos: uma crise de estupidez financeira generalizada, de uma cabotina falta de visão, de um excesso de fartura e consumismo, de uma cegueira perdulária e deslumbrada – típicos de quem sai das “berças” (e que a metáfora da ideia me desculpe a expressão preconceituosa) para a grande cidade e quer ocultar por todos os meios o seu provincianismo.
Penso que não estávamos preparados nem educados para viver e respeitar a abundância, nem existiam estruturas politico económicas, nem mentalidades maduras que criassem sustentabilidade na riqueza.
A crise, essa, foi vivida nos momentos áureos do capitalismo impositivo, do facilitismo dos cartões de crédito, dos leasings, dos rentings, dos marketings instigadores de consumo e afins (sem esquecer que por detrás, na causa das coisas, está uma lacuna brutal de informação, educação e responsabilidade social). O que se vive hoje – a meu ver – é o resultado dessa crise.
A crise está resolvida – quanto a isto, amigos, não há crise – já estourámos tudo e mais um par de botas e, como tal, acabou-se. Agora temos é que viver com as sequelas e repensar os paradigmas pelos quais nos queremos pautar no futuro. Somos os “consumistas heróicos” – usando a terminologia do psicólogo e autor Vítor Rodrigues – aqueles que gastaram a rodos e se deslumbraram com empáfia e sofreguidão, mas que acabam por ser sobreviventes do seu próprio desnorteio materialista. Se anteriormente permitimos a emergência de uma (i)realidade que não estávamos orientados para gerir e o resultado está à vista, temos agora todas as condições e conhecimento para fazermos das fraquezas, força e da ignorância, sabedoria, O que não nos derrubou, fortaleceu-nos.
Estamos no momento e no sítio certo. Do caos nasce a ordem e Portugal não é a cauda da Europa onde se acumulam os detritos – como às vezes nos querem fazer pensar – mas um rosto aberto para o mundo, o país que dá cara à Europa, o precursor do V Império (numa óptica mais profética) e nas palavras de Al Gore – que passou por cá há umas semanas e sem qualquer razão para adulações – o país mais verde da EU. Nós estamos realmente à frente, muito à frente! Portugal é um país onde é bom viver, digam o que disserem.
Não faço apelo ao orgulho estúpido e nacionalista, mas sim ao contacto com a verdade, à tomada de consciência do valor das nossas competências individuais e das nossas obras colectivas. Não precisamos efectivamente que venham de fora dizer-nos quem somos. Temos que ser capazes de ser os primeiros a lançar sobre nós próprios um olhar crítico de reconhecimento, tolerância e justiça. Que todas as obras e todos os esforços dos que se empenham e vão abrindo caminho, nos sirvam de motivação e estímulo. É esse o tributo que lhes devemos.
A cada dia que passa, mais me surpreendo com os aspectos evolutivos de áreas tecnológicas e científicas em que participamos e que desenvolvemos. Andou novamente a circular um email com um artigo escrito por Nicolau Santos, elencando aspectos que nos enobrecem enquanto cidadãos deste país e que devem servir de ponto de reflexão para a reconstrução da nossa identidade e validade comunitária, a nível local e global. É importante que de quando em quando nos relembremos que já muito se construiu e se fez neste pequeno rectângulo e que não há crise para os espíritos sagazes, empreendedores e combativos. A crise é para espíritos falhos e negligentes, que não percebem que temos em mãos uma oportunidade única de regeneração.
O segredo é não deixarmos que a crise empate, mas que a sabedoria avance.

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