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12/02/2012

Confissão

Já aqui confessei noutras circunstâncias, tenho e sempre tive, um enorme fascínio por Jesus Cristo, pela sua filosofia, pelo grande Ser que imagino tenha sido. Foi ele a minha primeira paixão, este homem bom, pleno de Amor, idealista, filósofo, mestre, profeta, um pouco louco talvez, mas de uma loucura corajosa, lutadora, abnegada e compassiva, que trouxe uma chama belíssima a este mundo.
Imagino como hoje tudo seria ainda mais selvagem e desumanizado, se de alguma forma a influência benéfica do seu espírito não estivesse - quase atavicamente - impregnada na nossa consciência colectiva. Para mim tem sido a grande fonte inspiradora nos mais variados momentos da minha vida.

Tive uma educação católica e frequentei um colégio religioso até aos 12 anos, que não soube cuidar da minha alma. Vivi os primeiros anos da minha existência atormentada pelos conceitos de pecado e de culpa, aterrorizada pela ideia de um deus castigador que tudo vê, todos julga e que nos aponta o inferno. E eu perguntava, na minha inocente ingenuidade, como é que o menino Jesus podia ter tido um pai tão mau?

No colégio diziam-me que por cada coisa errada que fizéssemos, por cada asneira que disséssemos, a nossa alma ía ficando maculada até perder-se de vez. Naquela altura para mim – porque era o que me diziam no confessionário – pecado era desobedecer aos pais, chamar nomes aos irmãos e ter pensamentos de dúvida em relação a deus. Por cada um destes crimes, eu via uma mancha negra aparecer na minha alma. Cumulativamente íam tomando conta dela e aos 10 anos, eu já tinha uma alma completamente carbonizada. Foi a primeira vez que desejei morrer, porque não conseguia corresponder ao que deus esperava de mim: que eu fosse perfeita. A minha alma infantil tinha sofrido demasiado e estava completamente (des)educada – maculada, mesmo – pelo nonsense da pedagogia católica de então.
Valeu-me ser muito nova e ainda estar profundamente ligada ao espírito primordial e à matriz pré-natal. Uma energia numinosa fez-se força e presença em mim: 'és um ser universal, o espírito é ilimitado, a fé vive sem regras'. Descobri o poder da minha luz interior e recuperei a alvura da minha alma.  Compreendi então que nenhum espírito elevado espera a nossa perfeição, nem nos julga pela nossa imperfeição. E percebi que o meu percurso seria pela individuação, em liberdade.

Ao longo da vida quanto mais me fui imbuindo do espírito crístico, mais me fui distanciando das instituições. Para mim, a liberdade interior, o amor incondicional e a verdade, não podem estar formatados nem regulados. Sempre senti que havia alguma usurpação e manipulação quando algo se constitui como instrumento oficial de uma concepção divina.

Não sou dogmática e nada me convence a institucionalizar as minhas crenças. Não adiro a "ismos" porque restringem e aprisionam a minha liberdade. Para crescer é preciso ter liberdade de espírito e aí não há lugar para normas, nem para representantes ou intermediários. A sua essência faz-se na verdade, tolerância e responsabilidade. Se for formatada perderá a sua essência e viverá apenas pela sua representação.

Durante muito tempo pensei que nunca seria ressarcida do meu sofrimento prematuro. Mas hoje vejo que sem ele não teria atravessado o meu deserto, nem procurado o meu sentido individual. Na verdade, acabei por encontrar nele um caminho de libertação.

2 comentários:

JPN disse...

O teu texto tocou-me muito pela intensidade, pela verdade e pelo desfecho. Obrigado

Doramar disse...

O meu texto desde o princípio ao desfecho SÓ tem a ver com o meu percurso espiritual, com a minha liberdade de crescimento individualizada, longe de instituições seculares e influências new age.