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15/03/2010

Vida e morte, o par eterno

Pergunto-me inúmeras vezes se quando falamos de vida e morte sentimos mesmo de que se trata apenas de um ciclo. Aceitamos quase poeticamente os ciclos de finitude e renascimento sucessivos da natureza - os Outonos e Primaveras que nos encantam - mas temos imensa dificuldade em aceitar essa finitude para nós próprios.

Aprendemos, ao longo da História, que todas as civilizações tiveram tradições espirituais e religiosas que acreditavam na vida para além da morte. Mas apesar de algumas dessas tradições ainda subsistirem, na sociedade moderna a crença profunda perdeu-se do colectivo cultural e não sustenta o nosso caminhar. Nós não somos efectivamente criados e orientados nesse acreditar, já não nos está na massa do sangue.
Quanto maior for o apego às coisas materiais, menor é a disponibilidade para as questões do espírito. De alguma forma isto explica-me porque se afastaram as sociedades de consumo das crenças filosofico-religiosas. Os deuses de agora são outros.
Talvez por isso nos amedrontemos tanto face à morte e, particularmente no ocidente, seja tão constrangedor pensar,  falar, ou mesmo encarar a sua presença.  Falta-nos o sentido. Por isso fazemos como a avestruz, enterramos a cabeça na areia e recusamos vê-la. É como se ela não fizesse parte da vida.
No entanto, o que dá sentido à nossa vida é, em última análise, o que dá sentido à nossa morte. Cumprimo-nos e fechamos o ciclo. Estarmos bem connosco e com os outros é tão essencial para a harmonia da nossa vida, como é vital para a serenidade necessária nos últimos momentos. Necessária para quem parte, para que parta com a consciência de missão cumprida; e para quem fica, para que viva com a consciência de que fez o que estava ao seu alcance e faça o seu luto em paz.

Se interiorizarmos que a morte pode chegar a qualquer momento os nossos dias serão mais ricos, porque essa consciencialização faz a diferença e leva-nos a conferir maior intensidade à nossa vivência, a buscar a nossa plenitude, a procurar curar e nutrir os nossos vínculos afectivos, a dar prioridade ao que dá sentido à nossa existência. Inclusivamente, confere-nos maior sentido prático em assuntos que poderão ser problemáticos para quem nos sobrevive.
E isto só é possível pelo afecto, pelo diálogo, pelo desfazer de tabus e preconceitos, e pelo confronto com o medo.

"Viver Não Dói" (Excerto)
Carlos Drummond de Andrade

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não se cumpriram.
(…)
A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o
desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-nos do sofrimento,
perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável,
O sofrimento é opcional.

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