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26/06/2008

A caixa de Joel

Sei que houve andorinhas que contrariamente à sua natureza, começaram a voar sem formação. Fazia muito calor. Tudo estava em mudança e os bichos desnortearam, coitados. Parece que os seus sensores deixaram de estar em sintonia com as estações. Os seus vôos tornaram-se rasteiros e circulares. Os ninhos, tantas vezes construídos nos alpendres, desapareceram. Alguns foram vistos próximos de lixeiras. O ar era denso demais e as andorinhas já não conseguiam voar alto, nem longe, para ir buscar raminhos e ervas.Também já quase não os havia, essa é que era a verdade.

Tinha havido um senhor que disse que infelizmente isto ía acontecer. Também falou de outras espécies que íam acabar por desaparecer. Até de nós, pessoas. Que um dia não teríamos sombra para nos abrigarmos, nem água para nos tirar a sede, que os rios íam secar, as planícies desertificar, o gelo derreter... E mais uma série de coisas pouco animadoras...

Uns levaram isso a sério, outros, menos. Os que tiveram medo que isso pudesse ser verdade, disseram "não acreditamos em bruxas, mas que as há, há!", e foram agindo para evitar toda aquela desgraça. Os outros, que eram mesmo muitos, não se preocupavam com o assunto e às vezes até faziam coisas graves sem pensar. Se calhar achavam que já cá não haviam de estar, ou que quem cá estivesse que se preocupasse, que não era por causa deles que o mal haveria de acontecer. Não sei bem, não faço ideia o que pensavam.

Sei que havia pessoas que não separavam o lixo, outras que deixavam carregadores ligados quando não estavam a carregar, e que também deixavam a televisão com uma luzinha sem a desligarem no botão. Também sei de muita gente que tomava banho e deixava a água correr, correr..., mesmo quando não precisavam. Havia mais negligências, eu sei, muitas mais! O avô Joel deixou-me tudo escrito. Mas se estes pequenos actos eram tão complicados de evitar, posso imaginar como deve ter sido difícil lidar com os grandes!

Mas a certa altura compreendeu-se que era mesmo preciso ajudar e pensar nas coisas a sério e isso foi o suficiente para evitar muitas desgraças!

O meu avô deixou-me uma caixa com o nome "Caixa de Joel", onde pôs fotografias, recortes e mais informação sobre animais e plantas que não foi mesmo possível salvar e que deixaram de existir. Mas o que eu queria mesmo era tê-los conhecido de verdade! Ele disse-me que há muito tempo, também houve um senhor que soube que ía acontecer uma catástrofe parecida e guardou muitos animais numa Arca, para que os netos pudessem vir a conhecê-los.

Mas o meu avô não conseguiu...

20/06/2008

O dia em que a borboleta voou

Faz hoje três anos. O meu irmão chegou junto de nós e lemos-lhe o olhar. Abraçámo-nos os quatro em círculo e ele disse com um sorriso triste mas tranquilo "A borboleta já voou". Foi o último a estar com ela.
Ali, naquela maca do S.O., ela esperou o seu bem amado, o mais novo, o único rapaz, e na sacralidade da pequena intimidade que tanto pedimos e que as circunstâncias permitiram, foi ele quem a ajudou e a viu partir.
Guardo desse momento uma lembrança de alívio, de justiça, de bonomia. Nunca me revoltei com a sua morte. Antes pelo contrário, considerei-a uma benção. O que me revoltou foi o seu sofrimento, a forma como foi descurada nos últimos dias (coincidentes com um fim-de-semana), sem ter sido monitorizada 24 sobre 24 horas, como seria de esperar. Era doente cardíaca e apesar de estar a ser minada por metástases, o que a matou foi um enfarte.
Digo, com a comoção e a apreensão do que sei que motiva um ser nos seus momentos terminais, que a morte pelo coração foi o seu derradeiro acto de Amor. Foi esse acto de amor que lhe permitiu ser transferida de uma enfermaria tumultuosa para o S.O., onde a sua morte não foi espectáculo, nem prato cheio para voyeuristas, mas antes pelo contrário, onde pôde partir com a dignidade, a privacidade e a sacralidade que merecia e que nos era a todos tão cara.
Há três noites sonhei com ela e percebi que este ciclo terminou. Alcançou o inatingível.
Para sempre, a eternidade.

16/06/2008

O mestre e o escorpião

Um mestre oriental viu que um escorpião estava a afogar-se e decidiu tirá-lo da água; mas quando o fez, o escorpião picou-o. Reagindo à dor, o mestre soltou o animal e ele caiu de novo à água, afogando-se. De novo o mestre tentou tirá-lo e mais uma vez o animal picou-o.
Alguém que estava a observar a cena aproximou-se do mestre e disse: "Desculpe-me mas o senhor é teimoso! Não vê que todas as vezes que tentar tirá-lo da água ele irá picá-lo?".

O mestre respondeu: "Ele age de acordo com a sua natureza. A natureza do escorpião é picar e isso não vai mudar em nada a minha natureza, que é ajudar".
Então, com a ajuda de uma folha o mestre tirou o escorpião da água e salvou-lhe a vida.

Não mudes a tua natureza se alguém te magoar; apenas toma precauções.

Autor desconhecido

09/06/2008

Limpeza étnica

Eles começaram por perseguir os comunistas
e eu não protestei, porque não era comunista.
Depois vieram buscar os judeus
e eu não protestei, porque não era judeu.
Depois ainda, vieram buscar os sindicalistas
e eu não protestei, porque não era sindicalista.
A seguir vieram buscar os homossexuais
e eu não protestei, porque não era homossexual.
Aí então vieram buscar os ciganos
e eu não protestei, porque não era cigano.
De seguida vieram buscar os imigrantes,
e eu não protestei, porque não era imigrante.
No final vieram buscar-me,
E já não havia ninguém para protestar.

Martin Niemöller

05/06/2008

A minha paixão

Tenho, sempre tive, um enorme fascínio pela história de Cristo. Foi ele a minha primeira paixão, este homem bom, pleno de Amor, idealista, um louco talvez, mas de uma loucura compassiva, que trouxe uma chama belíssima a este mundo. Imagino como tudo seria hoje muito mais selvagem e desumanizado, se de alguma forma a influência benéfica deste homem não estivesse quase atavicamente impregnada nos nossos corações.
Por isso quando se fala, se escreve, se produz sobre ele, eu fico sempre alerta, cheia de ansiedade e receio de que de alguma maneira (por via da escolha dos actores, da produção/encenação, etc.) seja adulterada a sua história e a sua imagem ou, melhor dizendo, a imagem que alimento da pessoa que creio ele tenha sido.
Depois de ter sido um sucesso de bilheteiras como opera rock em Londres e NY, em meados dos anos 70, o filme "Jesus Cristo Supertar" estreou em Portugal. Acho que nunca mais o larguei... vi-o uma dezena de vezes... , e decorei as músicas todas do princípio ao fim (naquele tempo havia tempo para isso), porque entretanto lá em casa comprámos o disco.
Ainda hoje me deleito quando ouço o CD, recordo as letras, as vozes, as entradas, a orquestra... Tenho-o gravado na minha pele, nos meus sentidos.
Por esta razão, quando me predispus a ir ver este espectáculo do La Féria, no Politeama, ía dividida entre o fascínio e a expectativa. Fascínio, porque adoro espectáculo, música, dança e, para além de tudo, ía assistir a mais uma versão da história do meu bem-amado; expectativa, porque tinha muito receio de que em nada as vozes, os actores, os cenários, as letras (ainda para mais traduzidas), correspondessem à fantástica obra original.
Digo-vos apenas que vim cheia. Assisti a um dos mais magníficos espectáculos de sempre, ao nível e em superação de qualquer espectáculo internacional que se possa ver por esse mundo fora.
Lembrei-me com grande saudade, da mesma emoção e entusiasmo juvenis ao assistir a outro musical sobre a vida de Cristo, "GodSpell" (também nos anos 70 em Portugal), protagonizado pelos jovens actores, então em início de carreira, Carlos Quintas, Joel Branco, Rita Ribeiro, Verónica, Vera Mónica...
Acredito na arte do espectáculo em Portugal e admiro o trabalho e talento de todos quanto a expressam com seriedade.

02/06/2008

Acreditar é preciso

"Não há impossíveis no que toca às capacidades extraordinárias do poder da nossa mente e de recuperação do nosso corpo físico. ACREDITEM..." (Salvador Vaz da Silva).

Ou
tubro de 2007. Após meses de insuportáveis dores de cabeça, tonturas e outros sintomas, SVS vai (arrastado por um amigo) ao médico e são-lhe diagnisticados cancros em estado muito avançado no cérebro e nos pulmões. Veredicto clínico: três semanas de vida e, se a radioterapia intensa a que se iria submeter de imediato resultasse em pleno, seis meses, no máximo.
Na impossibilidade de comunicar com os milhares de pessoas com quem se relaciona, SVS criou um blogue onde diariamente passou a dar conhecimento sobre o ponto de situação da sua doença.
A forma incrivelmente positiva com que se empenhou na luta pela sua cura e a forma como a foi descrevendo no blogue
salvadorvazdasilva.blogspot.com, fez com que este se tornasse rapidamente num enorme fenómeno de popularidade, extravasando em muito o alargado universo dos seus familiares e amigos.
Passados seis meses, e perante o espanto dos médicos que para tal não encontram explicações científicas, SVS escreveu o último post no seu blogue, no qual confirmou a erradicação total dos vários tumores cerebrais e pulmonares que lhe ameaçaram decisivamente a vida.
Para trás ficaram seis meses de um diário feito na base de cerca de 200 posts e milhares de comentários, transmitidos num original blogue que passou a ser espontâneamente conhecido por
"
Catedral". Um blogue - agora um livro - que é um diário de uma fantástica luta, transformada numa verdadeira lição de esperança e fé para todos os que se encontram perante as maiores adversidades da vida.
O valor de direitos de autor, acrescidos de uma parte da receita de vendas da Prime Books, reverterão integralmente a favor do IPO. Prefácio da cantora Mariza.


(Informação recebida por e-mail sem indicação da fonte.)